Crise na Crimeia ofusca aniversários de expansão da Otan para Leste Europeu
29 de março de 2014A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) celebra neste ano um triplo aniversário. Em março de 1999, a Polônia, República Tcheca e Hungria foram os primeiros ex-integrantes do Pacto de Varsóvia a entrar para a aliança. Em abril de 2004, houve o chamado "big bang": a expansão da Otan com os Estados bálticos da Estônia, Letônia e Lituânia – três ex-repúblicas soviéticas – e com a Bulgária, Romênia, Eslovênia e Eslováquia. Em abril de 2009, a Albânia e a Croácia aderiram, na última expansão da Aliança Atlântica, até o momento.
O secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, naturalmente vê seu avanço para o leste e o sudeste como um desenvolvimento positivo. "A política de portas abertas da Otan foi um verdadeiro sucesso", disse Rasmussen em Bruxelas, pouco antes do aniversário das adesões, ressaltando que essa política nunca foi pensada como uma ameaça contra a Rússia ou qualquer outro país.
"Após o fim da Guerra Fria, há 25 anos, tivemos uma oportunidade histórica de oferecer nossa amizade a todos os Estados, para eliminar as dolorosas divisões e para nos aproximarmos à meta há muito acalentada de criar um continente unido, livre e pacífico."
Adesão de ex-territórios soviéticos acirrou rejeição
A visão da Rússia, porém, é bem diferente. Disso, o presidente russo, Vladimir Putin, não tem deixado dúvida nos últimos anos, como, por exemplo, durante a cúpula da Otan em Bucareste, em 2008. "O aparecimento de uma aliança militar poderosa na fronteira da Rússia seria considerado uma ameaça direta", disse Putin durante uma entrevista coletiva. Embora, na ocasião, a Otan tenha assegurado à Geórgia e à Ucrânia que ambas poderiam juntar-se à aliança algum dia, preferiu evitar promessas concretas, devido à oposição de Putin.
Já seu antecessor, Boris Yeltsin, se opunha à expansão da Otan para o leste Mas foi abrindo mão aos poucos de suas objeções, depois que a Rússia ganhou um certo poder de influência através da criação do Conselho Otan-Rússia. No início de seu mandato, Putin não era avesso a colaborar com a "nova Otan". Em uma entrevista à BBC em 2000, chegou mesmo a cogitar uma adesão da Rússia à aliança. "Por que não?", questionou na época.
Ao longo dos anos, a rejeição foi crescendo, especialmente depois que a Otan acolheu em 2004 os três Estados bálticos que antes eram território soviético. "Nós interpretamos mal o profundo sentimento dos russos e da opinião pública no país. A Rússia tem medo de ser cercada, de ficar acuada", acredita Giles Merritt, diretor da Security and Defence Agenda (SDA), um think tank especializado em política de segurança, sediado em Bruxelas. "Nós, do Ocidente, cometemos erros graves nas mensagens políticas que emitimos à Rússia. Ter sequer cogitado uma adesão da Ucrânia e da Geórgia à Otan, já foi má política."
Devido à atual crise política na Ucrânia e na Crimeia, o secretário-geral Rasmussen, não gosta nem de tocar na palavra "adesão". Em uma reunião com primeiro-ministro ucraniano, Arseniy Yatsenyuk, no início de março, no entanto, Rasmussen ofereceu à Ucrânia uma cooperação militar mais estreita e manobras conjuntas. Para não agravar a crise com a Rússia, Yatsenyuk desconversou ao responder a pergunta de um jornalista sobre se a Ucrânia deseja aderir à Otan. "Não temos isso na tela do radar."
Montenegro na fila de espera
A decisão oficial de várias cúpulas da Otan tem sido que a aliança deve estar de portas abertas a toda democracia na Europa. O pequeno país de Montenegro, no oeste dos Bálcãs, quer ser o próximo a entrar por essas portas, como reiterou seu primeiro-ministro, Milo Djukanovic, durante recente visita à sede da organização. "Esperamos que os progressos da cooperação façam logo efeito. Esperamos poder aderir à Otan, e que um convite seja feito no País de Gales", comentou, referindo-se ao local da próxima cúpula da aliança, marcada para o início de setembro.
Além de Montenegro, Macedônia e Bósnia-Herzegovina têm o mesmo desejo. Os estados nos Balcãs esperam ganhar mais estabilidade na região. Até mesmo a Geórgia, cujas regiões separatistas da Abkházia e da Ossétia do Sul estão ocupadas desde 2008 pela Rússia, quer entrar na Otan, porém suas chances são bastante reduzidas, devido ao conflito com Moscou. Só a Sérvia não almeja uma filiação: suas reservas em relação à Otan são grandes demais, desde que foi bombardeada pelas forças da organização na guerra do Kosovo, em 1999.
Para os três Países Bálticos, o ingresso na Otan é uma garantia de que não terão o mesmo destino de parte da Ucrânia, ou seja, ser anexados pela Rússia. Na Polônia, o clima é semelhante: pesquisas de opinião mostram que 50% dos poloneses consideram a filiação uma garantia de independência nacional. A taxa de aprovação da Otan no país é maior do que a da União Europeia.
Defesa de perigos comuns deve ser prioridade
Giles Merritt recomenda que a Otan e os russos se concentrem na defesa comum contra perigos e ameaças, como a luta contra o terrorismo e a proteção contra ataques de mísseis do Irã ou da Coreia do Norte. "Nós e os russos temos necessidades de segurança comuns", lembra.
Segundo o especialista em segurança, a confiança entre a Rússia e a Otan diminuiu rapidamente, mesmo em relação ao armamento convencional. O Tratado sobre Forças Armadas Convencionais na Europa está praticamente morto, e também o sistema estratégico de defesa antimísseis que a Otan quer instalar é visto pela Rússia como uma ameaça.
Esse bloqueio já existente entre os aliados da Otan e a Rússia ainda é cimentado pela crise da Crimeia. Mas o secretário-geral Anders Fogh Rasmussen continua apostando no princípio das portas abertas para novas adesões. "A Otan acredita que toda nação deve decidir seu próprio futuro: ela continuará a ser uma fonte de estabilidade num mundo difícil de se prever."