Crônica de uma campanha de extremos
5 de outubro de 2018A eleição presidencial deste ano se converteu em um referendo sobre duas figuras que passaram os últimos 30 dias afastados da campanha: o direitista Jair Bolsonaro (PSL), que permaneceu quase todo o mês de setembro internado após levar uma facada, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que continua preso e está sendo representado pelo petista Fernando Haddad.
A ascensão dos dois parece ter sufocado as chances de outros candidatos que se apresentaram como uma terceira via, em meio a uma das campanhas mais tensas das últimas décadas.
Com o sentimento antipetista em alta entre o eleitorado de Bolsonaro, rivalizado apenas pela alta rejeição que o candidato enfrenta em outras parcelas do eleitorado, propostas sobre educação, saúde e economia ficaram em segundo plano na campanha.
Mesmo pessoalmente afastado de atos há um mês e com membros do seu núcleo criando fatos negativos, Bolsonaro continuou subindo nas pesquisas. No último Datafolha, ele aparece com 39% dos votos válidos no primeiro turno. Com esse resultado, conseguiu atrair apoios das bancadas ruralista, evangélica e da agropecuária da Câmara.
Já Haddad, após saltar 17 pontos percentuais nas intenções em pouco menos de um mês, viu sua rejeição aumentar drasticamente e se aproximar do índice do ex-capitão. O resultado foi um balde de água fria na campanha, que tinha esperança de ver o petista ultrapassar Bolsonaro ainda no primeiro turno. Ele tem hoje 25% dos votos válidos.
Internamente, o PT também vem enfrentando uma disputa entre duas alas. Uma defende que Haddad adote uma linha mais pragmática para atrair eleitores mais moderados, avaliando que a transferência de votos de Lula para Haddad já atingiu o teto e que agora a campanha deve se centrar no próprio candidato e em propostas.
Mas os petistas que vêm prevalecendo defendem que o partido deve continuar a atrelar o candidato a uma estratégia de defesa de Lula, que continua preso em Curitiba. O partido também ainda não atacou Bolsonaro de maneira sistemática, ao contrário de outros candidatos.
Já a campanha do ex-capitão redobrou sua aposta no antipetismo e passou a pregar que o militar reformado tem chances de ganhar já no próximo domingo. Nas redes, militantes vêm instigando eleitores de João Amoêdo (Novo) e Alvaro Dias (Podemos) a abandonarem seus candidatos.
Sem recursos e estrutura, a campanha do ex-capitão continua a centrar seus esforços em redes sociais. Nesta semana, as redes que apoiam o candidato do PSL voltaram a ser inundadas com informações falsas, como de que Haddad teria sido o criador de um "kit gay" quando ministro da Educação. Um vídeo sobre o assunto foi reproduzido nas contas de dois filhos de Bolsonaro que disputam mandatos nestas eleições.
Esse tipo de estratégia parece ter surtido efeito para neutralizar as manifestações contra Bolsonaro no último sábado. Aproveitando a pouca cobertura das TVs sobre os protestos, militantes do candidato trataram de preencher o vácuo inundando o Whatsapp com imagens e mensagens repletas de mentiras e fatos distorcidos sobre o movimento. Após as manifestações, o apoio de Bolsonaro cresceu, especialmente entre as mulheres, justamente a parcela da população que as manifestações pretendiam sensibilizar.
A derrocada da terceira via
Entre os candidatos que aparecem mais de uma dezena de pontos percentuais atrás dos dois líderes, nenhuma reação decisiva vem se esboçando. Houve alguns apelos pela formação de uma chapa "Alcirina", entre Geraldo Alckmin (PSDB), Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede), mas não houve resultado. O campo continua fragmentado.
A campanha de Ciro ainda continuou a insistir nesta semana que o candidato é uma terceira opção viável contra a polarização Bolsonaro x PT – nos cenários de segundo turno, ele seria capaz de derrotar os dois – mas o ex-ministro está empacado nas pesquisas, com 13%.
Já a campanha de Alckmin foi tomada pelo desânimo e traições. Nas últimas semanas, a propaganda do tucano centrou seu fogo tanto contra Bolsonaro e o PT. Para Alckmin, uma vitória de Bolsonaro seria um "risco", e a de Haddad, um "retrocesso". Mas o efeito não foi o desejado, e o voto antipetista parece ter mesmo migrado para Bolsonaro, apesar da sua alta rejeição.
Com seu candidato empacado, os tucanos também começaram a sofrer nos últimos dias uma debandada de aliados. Membros das influentes bancadas evangélica e da bala dos partidos do chamado "Centrão" – que havia fechado com Alckmin em julho – começaram a declarar apoio a Bolsonaro. O abandono mais notável foi da liderança da bancada ruralista, que conta com mais de 200 deputados.
O próprio PSDB registrou um abandono simbólico em suas fileiras: Xico Graziano, antigo chefe de gabinete do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, anunciou na quarta-feira sua desfiliação e intenção de apoiar Bolsonaro. Com apenas 9% dos votos válidos no Datafolha, o PSDB caminha para o seu pior resultado em uma eleição presidencial.
O afunilamento da disputa também afeta o MDB. Em São Paulo, o candidato do partido ao governo, Paulo Skaf, já declarou apoio a Bolsonaro no segundo turno, mesmo com o presidenciável Henrique Meirelles ainda na disputa.
Com o provável fracasso dos candidatos que se apresentaram como "terceira via" entre o petismo e o radicalismo de Bolsonaro, já começam as especulações sobre como eles vão se posicionar no segundo turno.
No último debate do primeiro turno, praticamente todos os candidatos direcionaram seus ataques contra Bolsonaro, que não compareceu. A exceção foi Alvaro Dias (Podemos), que apareceu com 2% no último Datafolha. A atitude alimentou especulações de que Dias deve se alinhar com o ex-capitão.
Ciro Gomes (PDT), ao contrário do penúltimo debate, evitou fazer críticas mais duras a Haddad. Segundo jornais brasileiros, membros do PDT já iniciaram sondagens sobre um eventual apoio condicional, a depender da inclusão de parte do programa de Ciro em um eventual governo petista.
A outra eleição
Com as atenções voltadas para o pleito presidencial, a eleição crucial para o Congresso ficou em segundo plano. Pesquisas indicam que o Senado caminha para ter a composição mais fragmentada da história, com até 23 partidos. Tal cenário deve dificultar a governabilidade do próximo presidente. Já na Câmara, o número de partidos deve cair um pouco em relação à eleição de 2014 por causa da reforma eleitoral de 2017, que instituiu uma tímida cláusula de desempenho. Ainda assim, 18 partidos devem eleger representantes.
E mesmo com um amplo desejo por renovação entre o eleitorado, o Congresso deve permanecer com uma cara semelhante à de 2014. Entre os atuais 513 deputados, mais de 400 concorrem à reeleição. No Senado, entre as 54 vagas em final de mandato, são 32 que se lançaram para ficar mais oito anos na Casa. Em 2014, a renovação atingiu 43% da Câmara. Neste ano, analistas apontam que ela deve ficar entre 35% e 40%. Entre os 32 senadores que tentam a reeleição, 24 aparecem como favoritos para mais um mandato.
Ainda no Senado, pesquisas eleitorais apontam que a Lava Jato não afetou substancialmente o desempenho de mais de duas dezenas de candidatos a um mandato na Casa envolvidos na operação. Pelo menos 25 candidatos que foram citados por delatores, investigados, denunciados ou que se tornaram réus aparecem em levantamentos em boa posição para conquistar uma das 54 vagas em disputa. Entre eles estão nomes como Renan Calheiros (MDB-AL) e Jader Barbalho (MDB-PA).
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