Derrota na Câmara deixa governo Dilma mais perto do fim
18 de abril de 2016Após quase três dias de discussão, o governo Dilma Rousseff sofreu neste domingo (17/04) uma dura derrota na Câmara dos Deputados. O parecer favorável ao impeachment foi aprovado por 367 votos, 25 a mais do que o necessário. Foram 137 votos contra o impeachment, sete abstenções e duas ausências.
A votação escancarou o fracasso do governo em tentar costurar alianças com siglas médias, como o PR e o PSD – que nas últimas semanas haviam recebido ofertas de cargos e de espaço na administração em troca de votos. Também ficou claro que a influência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que nos últimos dias havia se empenhado sistematicamente nesse esforço, já não tem a força de antes.
Agora, o parecer vai seguir para o Senado, onde precisa apenas de uma maioria simples para ser referendado. O governo deve passar os próximos dias cortejando os senadores – especialmente o presidente da casa, Renan Calheiros (PMDB-AL) – para tentar barrar o processo.
Só que segundo levantamentos realizados pelos principais veículos de imprensa brasileiros, a tendência é que os adversários da presidente consigam reunir no mínimo 47 votos entre os senadores, seis a mais do que o necessário. Depois da derrota na Câmara, o Planalto teme que mais senadores passem para o lado adversário. A votação deve ocorrer em maio.
Caso isso ocorra, a presidente será afastada por até 180 dias, prazo em que será realizado o julgamento por crime de responsabilidade (Clique aqui para saber quais são as próximas etapas do impeachment). Nesse período, a Presidência da República será exercida interinamente pelo vice-presidente Michel Temer.
Governistas atribuíram a contagem final de votos a um "efeito manada", que acabou levando parlamentares de siglas médias a reforçarem o "sim" na última hora conforme a tendência ia ficando clara – o que acabou reunindo mais votos que o inicialmente previsto pelos oposicionistas, que contavam receber 350 votos.
Os temores do Planalto de que a ordem da votação estabelecida pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), fizesse com que o "sim" largasse na frente com ampla vantagem acabaram se confirmando. Votaram inicialmente os estados do Sul e do Norte, deixando a maioria das unidades do Nordeste para o final.
Fracasso previsto
A derrota do governo, no entanto, já havia começado a se desenhar ao longo da semana, quando vários partidos em sequência começaram a desembarcar do governo, e com admissão de líderes aliados de que eles não estavam conseguindo se impor sobre os membros rebeldes das suas bancadas.
O governo ainda manteve a esperança de atrair alguns dissidentes de várias legendas para chegar aos 172 votos para barrar o impeachment, mas, no sábado, já era possível notar o desânimo de alguns governistas.
Vários se comportaram como se o resultado já fosse esperado, e passaram a falar sobre como seria a luta no Senado e os caminhos judiciais para anular a votação. Alguns membros do governo também passaram a defender que, diante de uma derrota, Dilma abrace de vez a defesa de novas eleições gerais e envie para o Congresso um projeto nesse sentido.
O governo ainda conseguiu mudar alguns votos entre sexta-feira e sábado, mas, na quinta-feira, já havia ficado claro que a oposição já tinha reunido votos suficientes – restava saber se ia ser uma vitória apertada ou confortável.
O resultado também acabou sendo uma vitória pessoal para Temer, que nos dias imediatamente anteriores ao impeachment mudou sua estratégia de permanecer nas sombras – ele havia delegado a tarefa de conseguir votos –, passando a se empenhar pessoalmente em aumentar o número de apoios ao impeachment.
Paralelamente à votação, ocorreram diversas manifestações pelo país. Em São Paulo, grupos contrários a Dilma reuniram 250 mil pessoas, segundo o Datafolha. Os favoráveis ao governo reuniram 42 mil no Vale do Anhangabaú. Após a contagem apontar que os opositores haviam conseguido 342 votos, a multidão na Paulista celebrou o resultado. Observadores apontaram que a comemoração foi semelhante a de uma conquista de Copa do Mundo. Em Brasília, 80 mil pessoas estiveram na Esplanada dos Ministérios para acompanhar a votação.
Tumulto e votação
A votação começou tumultuada, e a declaração dos votos só começou após mais de três horas de discursos das lideranças de cada partido. Do lado do "sim", poucos deputados falaram sobre as "pedaladas fiscais" – o motivo jurídico do impeachment. Muitos discursos abordaram episódios de corrupção, especialmente o escândalo de Petrobras.
Dezenas de deputados também citaram "Deus" e "a família" quando declararam o voto – muitos dedicaram seus votos, em alguns casos para esposas, filhos e apoiadores (um deputado citou "corretores de seguros").
Algumas poucas figuras mais conservadoras acusaram o governo de ser comunista e de promover a homossexualidade entre os jovens. O deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) chegou ao ponto de homenagear o coronel Carlos Brilhante Ustra, torturador do regime militar. Mais tarde, o deputado acabou sendo vítima de uma cusparada de um de seus desafetos, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ).
Alguns votos também revelaram ajustes de velhas contas. O ex-ministro Alfredo Nascimento (PR-AM), que havia sido afastado por Dilma em 2011 por suspeita de corrupção, votou pelo "sim", contrariando determinação da Executiva do seu partido, que havia feito um acordo com o governo. Outros deputados citaram outros episódios e mágoa com o PT. Também houve alguns momentos curiosos no lado do "sim". O palhaço e deputado Tiririca (PR-SP) estreou no microfone da Câmara e, em um discurso curto, votou pela continuidade do impeachment.
No lado governista, os deputados apresentaram um discurso mais unificado na defesa. Quase todos citaram que não viam crime de responsabilidade nas acusações. Vários tentaram reforçar a versão de que o processo todo não passa de um "golpe" e de que Dilma é uma mulher honesta. Outros deputados atacaram diretamente o presidente da Câmara, que é réu no Supremo Tribunal Federal, e disseram que ele não tinha legitimidade para conduzir o processo. O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) chamou Cunha de "gângster".