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'Despalavra' do ano

(av)28 de janeiro de 2007

"Partida voluntária" é quando um requerente rejeitado de asilo político decide deixar o país, poupando-se assim da deportação. A expressão mereceu a questionável honra de ser a mais politicamente incorreta do ano.

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Asilo político: pimenta nos olhos dos outros é refrescoFoto: dpa

"Partida voluntária" foi a "despalavra" alemã de 2006. Assim como a "palavra do ano", a Unwort (literalmente "não-palavra", no sentido de "monstruosidade, abominação lingüística") des Jahres representa – negativamente – o zeitgeist vigente no país.

Numa "ação de crítica lingüística", um júri independente seleciona a cada ano a expressão mais desprezível e politicamente incorreta que foi cunhada ou adotada no discurso público. A associação responsável pela iniciativa visa promover "maior adequação objetiva e humanidade no uso lingüístico cotidiano". A "distinção" já vem sendo concedida há 16 anos.

Voluntariedade forçada

BdT Deutschland Unwort des Jahres 2006 freiwillige Ausreise
Schlosser explica a 'Despalavra 2006'Foto: picture-alliance/ dpa

A "partida voluntária" (freiwillige Ausreise) em questão define a decisão que um requerente rejeitado de asilo político toma de deixar o país, poupando-se das penas da deportação. Como lembrou o orador do júri, Horst Dieter Schlosser, no Ratssaal da cidade de Cöthen (Saxônia-Anhalt): "Há que desconfiar da voluntariedade de uma tal partida, em muitos casos".

A deputada federal Sevim Dagdelen, do Partido de Esquerda, considerou o conceito cínico, por ocultar uma prática de desprezo humano, onde a "disposição de partir" é arrancada sob pressão psíquica e física.

Entretanto – ou justamente por isso – o termo se impôs, dentre as 1129 sugestões para "despalavra do ano", oriundas tanto da Alemanha quanto do exterior.

A palavra como arma

A expressão proposta com maior freqüência foi Unterschicht (classe inferior), seguida de Prekariat ("precariado", neologismo que combina "proletariado" e "precário"), ambas empregadas no debate sobre o empobrecimento e falta de perspectivas de parte da população da Alemanha.

Schlosser, que leciona Letras Germânicas na Universidade Johann Wolfgang Goethe de Frankfurt, sintetizou sucintamente o espírito da "premiação" anual.

"'Despalavras' são palavras que, na verdade, não deveriam existir, pois ferem ou ofendem outras pessoas, distorcem a realidade, ou mesmo atentam contra a dignidade humana."

A seguir, uma lista completa dos termos que mereceram, entre 1991 e 2005, esta questionável distinção.

15 anos de "despalavra"

Demo gegen Rechtsextremismus, Rostock bleibt bunt
Demonstração antinazista em RostockFoto: picture-alliance/dpa

1991: Ausländerfrei (livre de estrangeiros). Palavra de ordem xenófoba registrada em Hoyerswerda, Saxônia. Especialmente virulenta devido ao uso do afixo "frei", que normalmente denota a libertação de algo indesejável, daninho (staubfrei = sem poeira; unfallfrei = livre de acidentes).

1992: ethnische Säuberung (limpeza étnica). Fórmula de propaganda registrada na ex-Iugoslávia, que minimiza as expulsões e o genocídio.

1993: Überfremdung (excesso de "estrangeirização"). Falso argumento contra a entrada de imigrantes na Alemanha, revivendo um termo utilizado pelo regime nazista.

1994: Peanuts (do inglês "amendoim" = bagatelas). Jargão pejorativo empregado pelo porta-voz do Deutsche Bank, em relação a prejuízos milionários, catastróficos para o cidadão comum, porém desprezíveis no mundo das grandes finanças.

1995: Diätenanpassung (adaptação dos salários dos deputados). Eufemismo sutil, substituindo um termo negativo (Erhöhung = aumento) por um neutro (Anpassung = adaptação).

Familie, Demografie und Bevölkerung
Passeata de aposentados em BerlimFoto: AP

1996: Rentnerschwemme (enchente de aposentados). Termo descrevendo o aumento da população de terceira idade e conseqüente "lastro" para as gerações mais jovens. Inclui uma sugestão subliminar de perigo, ao equiparar a tendência demográfica a uma catástrofe natural.

1997: Wohlstandmüll (lixo do bem-estar). Ex-diretor administrativo da companhia Nestlé, Helmut Maucher, referindo-se a pessoas pouco dispostas e/ou incapacitadas para o trabalho.

1998: sozialverträgliches Frühableben (falecimento precoce socialmente aceitável). Ex-presidente da Câmara Federal dos Médicos da Alemanha Karsten Vilmar, criticando os planos do governo de cortes no setor de saúde. A expressão contém uma referência (involuntária) ao papel dos médicos durante o regime nazista.

1999: Kollateralschaden (danos colaterais). Assim a Otan descreveu a morte acidental de inocentes, vitimados por operações da própria organização.

2000: national befreite Zone (zona de libertação nacional). Descrição cinicamente heroicizante de regiões do leste alemão, aterrorizadas pelos atos xenófobos e racistas de extremistas de direita.

2001: Gotteskrieger (guerreiros de Deus). Encontrada em textos de ou sobre grupos terroristas, como a Al Qaeda e o Talibã.

2002: Ich-AG ("Eu" S.A.). Cunhada no programa Hartz de reforma do mercado de trabalho: além de ilógica (uma pessoa não pode ser uma "sociedade anônima"), reduz o ser humano a um conceito do mercado de valores.

2003: Tätervolk (povo de criminosos). Atribui a culpa de determinados atos a todo um povo, sem distinções. Ironicamente, a "premiação" se deveu à tentativa do deputado Martin Hohmann de rebater o emprego do termo em relação ao papel do povo alemão na Segunda Guerra Mundial. Sua argumentação de que, pela mesma lógica, os judeus também poderiam ser chamados um "povo de criminosos" lhe valeu acusações de anti-semitismo.

2004: Humankapital (capital humano). O termo se infiltrou do jargão economês para a linguagem política e do dia-a-dia: degrada não só o trabalhador, como o ser humano em geral, à qualidade de mero fator econômico.

2005: Entlassungsproduktivität (produtividade por demissão). Lucros de uma empresa em atividades produtivas, após a demissão de numerosos funcionários considerados "supérfluos".