Dominada pela cena eletrônica, Berlim atrai artistas da música pop mundial
18 de janeiro de 2014Ímã de artistas internacionais especialmente no início do século 21, quando a música produzida em Berlim começou a tomar o mundo a partir do movimento conhecido como electroclash, a capital alemã continua sendo polo de atração para músicos do mundo inteiro. Nos últimos anos, Berlim ampliou o escopo de gêneros musicais e foi tomada por uma gama bastante variada de artistas da música pop.
Por outro lado, a cidade vem perdendo parte de sua atratividade como destino de jovens criativos de todo o mundo, que passaram a enfrentar mais dificuldades para se manter por causa do aumento do custo de vida e dos aluguéis. Outro obstáculo apontado por músicos e produtores ouvidos pela DW Brasil é a falta de diálogo entre a cena nacional e os artistas estrangeiros, que têm problemas para conquistar o mercado alemão.
Dificuldades à parte, é inegável que a música eletrônica segue definindo, aos ouvidos do mundo, o som da cidade. Clubes noturnos como o Berghain estão entre os mais famosos no mundo, e nomes da música eletrônica dos últimos 25 anos, alemães e estrangeiros, ainda passam pelo sistema de som do clube.
Produzindo em Berlim...
No cenário da música eletrônica pop, uma artista estrangeira que vem conquistando espaço a partir de seu trabalho em Berlim é a britânica Jam Rostron, mais conhecida como Planningtorock. Após o lançamento de seu segundo álbum, W (2011), sua música conquistou público nos Estados Unidos e na Europa, com lançamento pelo já lendário selo do produtor James Murphy (líder da banda nova-iorquina LCD Sounsystems), o DFA Records.
A britânica aposta hoje nas suas próprias criações, e lançou no ano passado seu próprio selo, o Human Level Records, dedicado a lançar a música de mulheres produtoras de música eletrônica, como a francesa Hermione Frank, mais conhecida como Rroxymore. O Human Level Records também deverá lançar este ano o álbum de estreia da produtora irlandesa Caroline McCarthy – que, assim como Frank, também vive em Berlim.
Outro músico estrangeiro entre os mais famosos vivendo na cidade é o sueco Olof Dreijer, do duo The Knife. Além de se apresentar como cultuado artista solo sob o nome de Oni Ayhun, Dreijer e sua irmã Karin (que se apresenta também como Fever Ray e vive na Suécia), lançaram no ano passado o esperado novo álbum do Knife. Eles compuseram com Planningtorock e o americano Mount Sims (também residente em Berlim), a ópera Tomorrow, In A Year, que celebra a publicação centenária de A origem das espécies, de Charles Darwin.
...mas vendendo lá fora
A cidade também segue recebendo uma cena bastante eclética de músicos estrangeiros, que não negam ainda encontrar dificuldades de inserção num mercado dominado pela dance music e pelo techno.
Neste cenário, talvez o que menos se espere de Berlim seria encontrar compositores, mas a cidade conta hoje com representantes do gênero que vêm aos poucos conquistando o mercado europeu, como os australianos Kat Frankie e Luke Troynar (este último melhor conhecido como Creatures).
Mas a maior atenção é dedicada a eles com frequência fora de Berlim e da Alemanha. Um exemplo é o caso do canadense Joel Gibb, líder da banda The Hidden Cameras. Com fãs e seguidores em Berlim, especialmente na cena gay, o artista se mantém sem problemas na cidade graças à sua já sólida carreira fora da Alemanha.
Já a britânica Annika Henderson, que se apresenta como Anika, mudou-se para a cidade após o lançamento de seu celebrado álbum de estreia homônimo em 2010, produzido por Geoff Barrow, do Portishead. Entre os artistas estrangeiros jovens vivendo em Berlim, ela está entre os mais conhecidos mundialmente.
Vida mais cara
Tendo chegado há apenas três anos, Anika encontrou uma cidade muito diferente da que existiu para os artistas do início deste século. Segundo ela, "a cena berlinense está mudando, sempre foi assim. Como qualquer cidade tão perto de fronteiras e sujeita a renegociações históricas, ela parece incapaz de segurar uma indústria sólida", constata.
"A população está em movimento constante. Ninguém parece ficar muito tempo. Eles dizem que ela é pobre, mas sexy. Agora que a Alemanha está mantendo sua posição de cágado todo-poderoso na União Europeia, os caçadores de diamantes estão aportando na cidade. Se havia espaço antes para experimentação, agora só parece haver espaço para caixas automáticos", continua.
O produtor britânico Louis McGuire aponta que, hoje em dia, muitos artistas penam com o aumento de custos como aluguéis. "Quando me mudei para Berlim em 2003, havia todo aquele rumor sobre aluguel barato e uma ótima cena artística. O grupo berlinense Quark havia acabado de lançar Quarksland e parecia representar claramente aquele espírito", lembra.
"Mas, por causa da falta de iniciativa do governo em manter a cidade aberta para artistas jovens, transformando-a num campo de especulação imobiliária, está se tornando cada vez mais difícil para artistas jovens se manterem em Berlim", acrescenta.
Ele também opina que as mudanças no cenário musical berlinense parecem incomodar muitos dos cidadãos da capital. "Talvez [eles] nos vejam como a causa ou parte da causa do aumento do custo de vida. Deveria haver mais diálogo entre berlinenses e imigrantes, especiamente entre a velha classe operária berlinense e os novos boêmios – já que, como sempre, os pobres estão perdendo dos dois lados", diz.
Falta de comunicação
Para artistas trabalhando completamente fora da cena musical alemã, viver em Berlim também ficou mais difícil porque há problemas de inserção no mercado alemão. Segundo o norte-americano Ellison Glenn, que se apresenta como Black Cracker e que é oriundo da cena do hip-hop queer de Nova York, trabalhar na cidade é, por vezes, como habitar um vácuo.
"Eu vejo as mudanças na cidade pela minha perspectiva, é claro. Berlim não é tão grande como eu imaginava. As comunidades são muito pequenas e não há tanta compreensão aqui para o tipo de trabalho que faço. Como não há diálogo entre as cenas, às vezes eu me sinto tendo que sair do meu trabalho como inovador para agir como uma espécie de embaixador", explica.
A falta de diálogo entre artistas alemães e estrangeiros é um problema, segundo Glenn. "Para mim, isso parece ser uma das maiores questões. Meu trabalho pode estar à margem das coisas e não há muitos alemães trabalhando com expressões semelhantes, então a conversa muitas vezes não tem como ir tão longe quanto eu precisaria", diz Black Cracker.
Já Louis McGuire diz que "há muitas iniciativas para que estrangeiros e alemães se cruzem, como a galeria Team Titanic ou o clube Sameheads. Pessoas com interesses parecidos gravitam em direção umas às outras, não importa a nacionalidade", acredita.