Norte x Sul
8 de junho de 2010O 40° Encontro dos Ministros do Exterior da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Lima, acontece sob o lema "Paz, Segurança e Cooperação na América". O presidente peruano, Alan García, defendeu, no discurso de abertura do encontro, uma redução dos gastos dos países latino-americanos para fins militares e uma reutilização desses recursos no combate à pobreza e na proteção do meio ambiente.
Nos últimos anos cinco anos, desde a fundação da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), os orçamentos militares dos países da região consumiram 125 bilhões de dólares, além dos 25 bilhões investidos na compra de sistemas bélicos novos. Nos próximos cinco anos, os gastos com armas deverão chegar a 35 bilhões de dólares. Apenas com esse valor seria possível assegurar o acesso a água potável, energia elétrica e educação, bem como assistência médica a 50 milhões de pessoas, contabiliza García.
Desde a fundação da OEA, há 40 anos, os gastos com a compra de armas no continente chegaram a 100 bilhões de dólares, "que poderiam ter sido aplicados no bem-estar das populações", lembrou o presidente peruano.
Contra a resistência de Washington, García se empenhou em incluir o armamentismo na pauta do encontro. "Nem 5% dessas armas foram utilizadas em conflitos nos últimos anos", acrescenta o presidente peruano, defendendo um cerceamento e controle da compra de armas em todo o continente americano.
Maior transparência
Detlef Nolte, do Instituto Giga de Estudos Latino-Americanos, sediado em Hamburgo, não acredita que a retórica desarmamentista dê frutos na América Latina. Por um lado, porque os contratos de compra de armas já estão, hoje, em sua maioria concretizados. E por outro, porque o próprio García não se dispõe a tomar nenhuma iniciativa nesse sentido, alegando a ameaça da modernização militar do Chile, por um lado, e a aquisição de armamentos novos pelo Equador, do outro.
Na opinião de Nolte, a única coisa viável seria uma "maior transparência nos gastos com armamentos, porque há uma grande defasagem na divulgação dessas despesas e das armas adquiridas. Mas, na realidade, não vai acontecer muita coisa nesse sentido", estima Nolte.
Washington acirra controle de imigração
A polêmica lei de imigração do estado do Arizona, nos EUA, que deverá entrar em vigor em fins de julho próximo, foi outro ponto criticado antes do encontro da OEA em Lima.
Felipe Calderón e Alan García, presidentes do México e do Peru, apresentaram recentemente a Barack Obama reclamações oficiais contra o planejado acirramento do controle policial e contra a temida discriminação de imigrantes latino-americanos nos EUA.
A referida lei de imigração, observa Nolte, representa um problema sério para as relações entre os EUA e os países latino-americanos. "É preciso lembrar que, no que diz respeito à legislação de imigração, há claras diferenças de opinião entre os EUA e a maioria dos outros Estados latino-americanos. E como se trata da lei de um estado norte-americano, Obama fica de mãos atadas", observa o especialista alemão.
O presidente norte-americano considera "errônea" a lei do Arizona, mas uma reforma da legislação de imigração em nível federal não obteria a aprovação do Congresso por causa da resistência dos republicanos.
"De início, Obama foi recebido com grandes expectativas na América Latina", constata Nolte, recordando o encontro de cúpula das Américas realizado em Trinidad e Tobago: "Na América Latina, saudou-se muito um novo presidente que também sabia ouvir e não tentava simplesmente impor coisas aos Estados latino-americanos".
Hoje, no entanto, o senso de realidade é maior. "A acusação que pesa contra Obama é a de que não basta simplesmente não ser George W. Bush. É preciso tomar medidas concretas.
Ao observar vários campos da política, como a legislação de imigração, a política das drogas, os pontos estratégicos dos EUA na América Latina, percebe-se que muito pouco mudou. O governo norte-americano também tem muito poucas iniciativas novas de teor político concreto", completa Nolte.
Relação ambivalente com o Brasil
Desde que o Brasil, ao lado da Turquia, interferiu nas negociações internacionais sobre o programa nuclear iraniano e passou a dialogar com Teerã, as relações entre Washington e Brasília começaram a esfriar. Durante cúpula da OEA em Lima, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, afirmou que "ajudar o Irã a ganhar tempo significa tornar este mundo mais perigoso" e acrescentou que "o Irã está usando o Brasil para ganhar tempo".
Por mais paradoxal que seja, George W. Bush tinha melhores relações com o governo brasileiro do que tem Obama no momento, afirma o alemão Detlef Nolte.
"Isso porque o Brasil, em função de seu peso dentro da América Latina e na política internacional, vai passar a desempenhar um papel maior a partir de agora. E não só na América Latina, onde há algum tempo já existe uma certa concorrência pela liderança sul-americana, mas também em questões globais, como recentemente em relação à política nuclear do Irã", conclui Nolte.
Autora: Mirjam Gehrke (dpa/efe/rtr/afp)
Revisão: Simone Lopes