Saúde
24 de outubro de 2010Enfermidades crônicas como hipertensão e o diabetes desencadeiam doenças infecciosas e ultrapassam a aids, a malária ou a tuberculose no ranking das causas de morte atualmente. Hoje, 60% de todos os óbitos no mundo se dão em consequência de doenças não infecciosas. E a tendência é crescente.
O pesquisador Peter Piot, diretor da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, explica a razão disso: "Hoje morre muito mais gente em função de doenças circulatórias, diabetes ou obesidade do que de doenças infecciosas. A exceção é a África Subsaariana, onde a aids continua sendo a principal causa de morte. Essa tendência se dá em função da mudança de comportamento e de estilo de vida em todo o mundo e é especialmente resultante de maus hábitos alimentares: sal em excesso, muito açúcar, muita gordura e o fato de que a comida mais barata nem sempre é a mais saudável. Acresce-se a isso a constatação de que hoje não nos movimentamos mais da forma como fazíamos antigamente. Todos esses fatores, que são prejudiciais à saúde das pessoas na Europa, se constatam também em outras regiões do mundo", descreve Piot.
Por muito tempo, enfermidades como pressão alta e obesidade eram consideradas doenças "da civilização", majoritariamente presentes nos países desenvolvidos. Essa situação mudou em função da globalização e da urbanização de outras regiões do planeta, inclusive da África, por exemplo, onde produtos industrializados estão substituindo cada vez mais o consumo de alimentos tradicionais.
Ciclo vicioso
Nos Emirados Árabes Unidos, por exemplo, o consumo de refrigerantes é altíssimo. Diante das rígidas proibições de fumar no espaço público nos EUA e na UE, a indústria tabagista alastra seus tentáculos na Ásia. De forma que a globalização e a disseminação de doenças crônicas andam juntas e a expressão "doenças civilizacionais" vai se tornando absolutamente obsoleta, diz Pekka Puska, presidente da Federação Mundial de Cardiologia.
"É ultrapassado pensar que se trata de doenças associadas ao bem-estar, pois elas se espalham hoje com maior intensidade exatamente em países pobres. E na maioria dos países europeus, são as camadas mais baixas da população que apresentam maiores riscos de contrair tais doenças crônicas. São enfermidades fortemente associadas à pobreza e à decadência social, causadas por problemas sócio-econômicos e vice-versa. Sobretudo nos países em desenvolvimento, as pessoas acometidas por essas doenças são vítimas da pobreza, pois falta assistência social e apoio financeiro. Em outras palavras, a pobreza causa doenças crônicas e essas doenças levam à pobreza", explica Puska.
Doenças psíquicas: problema ignorado
Hoje, 80% das pessoas que morrem em consequência de doenças crônicas vêm de países com uma renda per capita baixa ou média. E o problema vem sendo reconhecido cada vez mais por pesquisadores, políticos e organizações internacionais. No entanto, além do diabetes e das doenças circulatórias, há ainda um outro campo de enfermidades crônicas cujo alcance ainda não é reconhecido: as doenças psíquicas. Em todo o mundo, 150 milhões de pessoas sofrem de depressão.
"A meu ver, as doenças psíquicas são as mais negligenciadas. Além disso, são estigmatizadas em todas as sociedades. Embora sejam um desencadeador importante de outras enfermidades, elas não são vistas como prioridades na hora do tratamento. Por exemplo: em setembro de 2011, a Assembleia Geral das Nações Unidas decidiu organizar um congresso especial sobre doenças não transmissíveis. Foi uma ótima medida. No entanto, definiram que as enfermidades psíquicas não seriam abordadas nesse evento. Acho isso chocante. Em muitos países, a única solução vista para o tratamento de doentes mentais é interná-los em regime fechado. E isso mesmo considerando que essas doenças podem ser tratadas atualmente. Podemos tratar a depressão, podemos tratar a esquizofrenia", fala Piot.
Estresse: causa de muitas enfermidades
Além de outros fatores ainda desconhecidos, o estresse é considerado uma das principais razões do aumento de enfermidades psíquicas. Em suma, o estilo de vida moderno, de difícil gerenciamento, é importante neste contexto. Já em relação a doenças crônicas como o diabetes ou a hipertensão, por exemplo, é possível tomar medidas concretas, principalmente através da prevenção, diz Ala Alwan, encarregado de doenças não transmissíveis e psíquicas na Organização Mundial de Saúde (OMS).
"Algumas doenças cardíacas, o diabetes e alguns tipos de câncer podem ser evitados através da redução do consumo de tabaco e álcool, de uma alimentação saudável, de atividade física. Até quando a doença já se manifestou é possível fazer muita coisa para melhorar a assistência médica, evitando complicações e uma morte prematura", diz Alwan.
A população mundial precisa ser incentivada a levar uma vida mais saudável. No fim, o que conta é a postura individual e o comportamento de cada um. É preciso encontrar um equilíbrio adequado entre a intromissão do Estado – através de medidas como a proibição do cigarro no espaço público, por exemplo – e a liberdade individual.
Necessidade de mudança
"Não há certo ou errado. Trata-se de um processo de mudança social, sobre o qual as pessoas precisam ser informadas. Precisamos de mais esclarecimento e precisamos ajudar as pessoas a se tornarem mais saudáveis. Isso depende muito do ambiente. Pois o que comemos e o quanto nos movimentamos depende também de onde vivemos: que ofertas existem à nossa volta, o que é possível fazer. E por isso precisamos negociar com as autoridades, precisamos de programas públicos, temos que envolver outros setores da sociedade – a indústria alimentícia, as ONGs. Mas precisamos também de incentivos financeiros e de uma legislação", completa Puska.
Para enfrentar as doenças crônicas é necessária uma ampla cooperação, concordam todos os especialistas. Alguns, como Peter Piot, acreditam que ainda não haja, contudo, uma conscientização suficiente acerca do problema.
"O mundo ainda não está armado contra as enfermidades crônicas. Mesmo em alguns países europeus levamos um american way of life no sentido da obesidade, por exemplo. No Reino Unido, 25% das crianças com 14 anos estão acima do peso, um índice bem mais alto do que havia antigamente. Precisamos tomar atitudes com rapidez e essa é uma questão de liderança. É preciso haver medidas específicas, como por exemplo a tributação de comidas não saudáveis, do tabaco e do álcool. Mas ainda não vejo esse tipo de iniciativa. Discutimos muito sobre os custos do sistema de saúde, mas aí só se fala, por exemplo, das consequências do diabetes. E onde está o dinheiro e o empenho em lutar para que as pessoas não se tornem diabéticas? Algo absolutamente possível", completa Piot.
Autora: Anna Corves (sv)
Revisão: Simone Lopes