Entre o futebol e a saudade
16 de dezembro de 2007O frio de 3 graus de uma manhã de sol de quarta-feira não impede os jogadores do Duisburg de irem a campo para mais um dia de treino com o técnico Rudi Bommer. Entre corridas, pulos e brincadeiras de pega-pega, os rapazes aquecem a musculatura e trabalham o físico por quase duas horas sob os olhares atentos de torcedores que, bem agasalhados, observam o treino atrás do alambrado que envolve o campo.
Do grupo fazem parte os brasileiros Roque Júnior, de 31 anos, Fernando Santos, 27 anos, e Aílton, 34 anos, que na Alemanha é famoso por ter sido o primeiro estrangeiro a ser eleito jogador do ano, em 2004. "Quando o Aílton chegou ao Duisburg, há seis meses, os treinos eram uma loucura. As arquibancadas estavam lotadas de fãs adultos e mirins que procuravam por ele", conta o assessor de imprensa do time alemão, Tobias Günther.
Dificuldades de adaptação
Roque Júnior, Fernando Santos e Aílton são unânimes quando se referem às melhores condições de vida e de trabalho na Europa. Nenhum deles tem planos de voltar ao Brasil. Ao menos não por enquanto. E isso apesar das barreiras a serem ultrapassadas todos os dias na Alemanha.
Entre elas estão o clima europeu, a rígida disciplina e a pontualidade. Mas tudo isso se anula quando os esforços são retribuídos com pontos para o clube e com o carinho do público. "Os estádios de futebol na Alemanha estão sempre lotados. Independentemente do jogo, os torcedores estão sempre presentes. E isso anima qualquer jogador", argumenta, com um sorriso no rosto, Roque Júnior, depois do treino daquela manhã.
O carioca Fernando Santos, que veio do Flamengo, acredita que a adaptação a uma nova cultura está relacionada com a idade e com os objetivos que se tem na vida. "Quando se é jovem é bem mais fácil", avalia. Ele conta que veio pela primeira vez à Alemanha aos 23 anos. "Minha maior dificuldade foi com o clima, mas mesmo assim eu queria retornar para a Europa."
Elogios à Alemanha
Para os três profissionais brasileiros, a Alemanha é um dos melhores países para trabalhar e viver. Os motivos variam, mas todos concordam que, no centro da Europa, há melhores condições de vida, menos violência e melhores salários. "O povo alemão tem a capacidade de ver o que é certo e o que é errado. Isso, infelizmente, a gente está perdendo no Brasil", opina Roque Júnior.
"A infra-estrutura, os aeroportos, as estradas, o trem, tudo facilita a vida de qualquer cidadão. A Alemanha é um dos melhores países em que eu já morei", ressalta o zagueiro, que reside em Colônia com a esposa e os filhos. Ele afirma que se sente em casa na cidade. "Se o Brasil pudesse copiar um país ou se eu pudesse nascer de novo em outro lugar, desejaria que fosse a Alemanha."
Fernando também destaca que os salários são bem melhores na Europa. "Sem falar na tranqüilidade que se tem para jogar. No Brasil, a cobrança é muito maior. E depois que se tem família, procura-se tranqüilidade. Lá nós não sairíamos de casa. Aqui é outra mentalidade. O assédio de fãs é bem menor", conta o zagueiro.
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Quando questionado se pretende voltar às terras tupiniquins, Roque Júnior oscila entre o sim e o não. "Devo jogar ainda quatro ou cinco anos aqui. Mas me preocupo com a situação atual do Brasil. Há muita insegurança e a cada dia ouvimos mais notícias ruins. E isso pesa na minha decisão de ficar. Além do mais, minha família gosta daqui", divide-se.
Mas o carinho e a admiração pelo seu país natal são evidentes quando ele afirma ter planos, a longo prazo, no Brasil. "O Brasil tem a melhor matéria-prima do mundo para o futebol. Por isso, fundei o Futebol Clube Primeira Camisa", conta o craque, que jogou 50 partidas defendendo a seleção brasileira.
Em São José dos Campos, o FC Primeira Camisa oferece a novos talentos do futebol brasileiro a oportunidade de jogar num sistema organizado e planejado – que, segundo Roque Júnior, é mais comum nos campos da Europa do que no Brasil. Além do esporte, a escolinha de futebol proporciona acompanhamento e suporte acadêmico-educacional aos jovens participantes. Roque, que voltou aos gramados com o Duisburg após dois anos afastado por problemas de saúde, aproveitou o tempo em que esteve parado para se dedicar ao projeto, um sonho antigo.
Saudades do Brasil
Quem também faz planos para um dia trabalhar com novos talentos, porém agenciando jogadores de futebol, é Aílton, que está há oito anos fora do Brasil. Defendendo o Werder Bremen, o paraibano venceu o Campeonato Alemão e a Copa da Alemanha na temporada de 2003/2004.
"Penso em ser representante de jogadores e usar minha experiência na busca por futuros jogadores de futebol", comenta. "Na Alemanha, talvez só um ou dois clubes não tenham jogadores brasileiros em seu elenco. Existe um grande campo de trabalho para mim. Os brasileiros têm mais técnica do que os jogadores europeus", argumenta sorrindo, enquanto olha para o alto como quem vê o futuro diante dos olhos.
Aílton, nascido no interior da Paraíba, pensa em jogar mais dois ou três anos e tem opinião formada sobre um retorno ao Brasil. "Minha esposa é mexicana. Meus quatro filhos moram com ela no México. Visito-os duas vezes ao ano. E eu moro na Alemanha. Não sei se voltaria ao Brasil. Aqui a gente acaba se educando. Existe disciplina em casa, no trânsito, na cidade, na rua", pondera o jogador de futebol, que, apesar dos elogios à Alemanha, diz ter saudade do Brasil.
Barrado na danceteria
Nas horas vagas, Aílton relaxa ao som de sua música preferida, Será, da dupla sertaneja Bruno e Marrone. Nas refeições, a exigência é o espaguete, mas sem deixar de lado o típico feijão com arroz, que raramente tem a oportunidade de comer na Alemanha. Aílton é filho de agricultores e conta que, se não tivesse seguido a carreira no esporte, talvez viesse a ser veterinário.
Outra dificuldade enfrentada pelos brasileiros na Europa é o preconceito. Aílton diz ter sido barrado na entrada de uma danceteria pelo segurança com a justificativa de que se tratava de uma festa particular. Mas o motivo alegado foi posto de lado após um fã o reconhecer e contar a todos que Aílton estava fora da boate, supostamente à espera de um convite. "Depois do mal-entendido, eu pude entrar. Nem se tratava de uma festa particular. Enfim, o preconceito existe e precisamos saber lidar com ele e contra ele", finaliza.
Roque Júnior diz nunca ter sofrido preconceito na Europa. "Minha esposa já sofreu preconceito, mas nada que não pudesse ser resolvido", afirma. "Penso que eu nunca fui discriminado por ser uma pessoa conhecida. Acho que isso influencia", resume o jogador, enquanto ajeita os cabelos estilo dreadlock.
Além dos três jogadores apresentados nesta matéria, o Duisburg conta ainda com meio-campo Maicon, 22 anos, que veio do Madureira.