Surpresa em Frankfurt
5 de outubro de 2010"Eu pensei que estivesse chovendo. Mas são os meus olhos que choram." Foram essas as palavras, que fazem parte de uma canção húngara, usadas pela escritora Melinda Nadj Abonji no seu discurso de agradecimento ao receber o Prêmio Alemão do Livro, na noite desta segunda-feira (04/10) em Frankfurt.
Visivelmente emocionada, Melinda contou que gostava muito dessa canção quando era criança. O romance premiado da escritora, Tauben fliegen auf, é também uma homenagem à avó húngara, com quem Melinda passou a infância. Ela nasceu em 1968 em Voivodina, uma província da Sérvia que tem uma minoria húngara, e em 1974 migrou com os pais para a Suíça.
Numa terra estranha
A trajetória de Melinda é também a de Ildiko, personagem principal de seu romance. A obra narra como a família Kocsis deixou a Iugoslávia socialista de Tito e foi em busca de uma nova vida numa cidadezinha suíça. Seus pais trabalhavam arduamente na cafeteria da família para prover o sustento das duas filhas – e por reconhecimento.
Eles se adaptaram, passaram no teste de cidadania e se tornaram cidadãos suíços: à primeira vista, uma integração bem-sucedida. Ainda assim, os Kocsis eram chamados por muitos suíços como "aqueles dos Balcãs".
Quando um dos clientes suja o banheiro com excrementos, Ildiko se sente farta da cordialidade a qualquer custo, à qual ela é obrigada pelo trabalho. Ela então se muda para a cidade grande e começa, sem nenhum apoio, mas com determinação, a viver a sua própria vida.
O prêmio
Desde 2005, a Associação de Comércio Livreiro Alemão destaca anualmente, na véspera do início da Feira de Frankfurt, o melhor romance em lingua alemã com o Prêmio Alemão do Livro. O evento objetiva promover a literatura alemã e, especialmente, torná-la conhecida no exterior.
A premiação já se tornou uma instituição na Alemanha – o número crescente de câmeras de televisão durante a cerimônia indica o sucesso do evento. E mesmo antes de o vencedor ser anunciado, os seis finalistas receberam uma grande atenção da mídia.
A lingua como lar
O romance Tauben fliegen auf tem como pano de fundo os acontecimentos recentes da história europeia. O livro também aborda a miséria socialista, a guerra e a vida da minoria húngara na Sérvia. Acima de tudo, a obra descreve a vida em várias culturas e o estranhamento que essa situação acarreta.
Por exemplo quando Ildiko vai para a cidade grande e, no caminho, percebe que o nome de sua cidade natal está escrito de três maneiras diferentes numa placa de trânsito: em servo-croata, em cirílico e em húngaro. Mas a autora também fala sobre o amor pela língua – a húngara e a alemã – e sobre o poder positivo da memória.
Literatura internacional
A ganhadora do prêmio não é a única com raízes multiculturais: três dos seis finalistas são filhos de imigrantes, uma proporção semelhante à dos 20 candidatos iniciais. Apesar de esses escritores terem falado suas primeiras palavras em outras línguas, eles escrevem em alemão.
Jan Faktor, filho de uma judia comunista, fala sobre a infância e juventude na Praga socialista: uma narrativa cheia de humor e tristeza. Doron Rabinovici, nascido em Tel Aviv e que foi ainda criança para Viena, deixa seus personagens discutirem sobre a identidade judaica – com um humor intelectual que os críticos associam a Woody Allen.
A tendência já foi captada pelo jornais alemães: a jovem literatura alemã, em especial a atual safra de livros, está impregnada de autores que se movimentam em mais de uma cultura. "Vamos contar nossas histórias uns aos outros para que possamos entender melhor uns aos outros", dizia-se após a queda do Muro de Berlim, quando o distanciamento entre as Alemanhas Oriental e Ocidental se tornou evidente. Agora é possível estender esse convite para toda a Europa e para fora do Velho Continente.
Autora: Gabriela Schaaf (np)
Revisão: Alexandre Schossler