Catástrofes
24 de agosto de 2010No Chile, 33 funcionários de uma mineradora estão retidos a 700 metros de profundidade em uma jazida em Copiapó, no Deserto de Atacama, no norte do país. Os mineiros procuraram abrigo em refúgio, depois que a mina desabou, no último 5 de agosto, deixando-os soterrados e sem contato com o ambiente externo. O alemão Wolf Dombrowsky, especialista em catástrofes naturais, analisa a situação dos mineiros presos, agora já localizados por equipes de resgate.
Deutsche Welle: Qual é o objeto de estudo em uma catástrofe?
Wolf Dombrowsky: Pesquiso como as pessoas se comportam antes, durante e depois de uma catástrofe. Meu interesse é saber como as pessoas vivem uma tragédia, como a superam, mas também o que aprendem com ela. E, se não aprendem a lição, qual seria o motivo.
E o que você mesmo aprendeu?
Aprendi que não há catástrofes naturais, mas que o homem comete graves erros ao lidar com a natureza; que o planejamento, geralmente, não é adequado; que as pessoas não levam a sério as experiências anteriores e que nós não estamos preparados o suficiente para enfrentar uma tragédia pessoal.
Você vê alguma semelhança entre acidentes como este dos mineiros soterrados no Chile e outros ocorridos na Alemanha no passado?
O maior problema para soterrados em uma mina é que as vítimas precisam satisfazer suas necessidades vitais. Primeiro: elas têm líquido suficiente para beber? Segundo: o contato. As vítimas sabem que estão sendo procuradas? Os familiares ainda têm esperança de encontrá-los com vida? Todos os envolvidos sabem que está sendo feito tudo o que é possível para resgatar as vítimas?
Terceiro: como sobreviver soterrado? O grande problema para uma pessoa nessa situação é que ela perde a noção de tempo. Para isso, são necessárias estratégias que dêem uma estrutura e permitam ordenar a vida limitada ao isolamento e à escuridão. Quem não consegue pensar, perde o controle da situação, o que neste caso pode ser fatal.
As minas dispõem de espaços previstos para casos de desabamento?
Sim. Os refúgios de proteção geralmente estão abastecidos com alimentos e materiais destinados a emergências, além de meios de comunicação. O que me surpreende, no caso da mina chilena, é que parece que o refúgio não tinha telefone de emergência. Contudo, a sobrevivência depende, além disso, do estado físico e psicológico das vítimas, como também do nível de instrução das mesmas.
Estima-se que o resgate dos mineiros chilenos deverá durar de três a quatro meses. Como é possível estruturar a vida na escuridão de uma cova durante tanto tempo sem morrer antes de ser resgatado?
Para preencher o tempo, os soterrados podem, por exemplo, contar até certo número e então fazer um exercício físico. O importante é que eles estejam cientes de que o que estão fazendo é para mantê-los com vida. No caso atual do Chile, é provável que as vítimas sobrevivam, mesmo que demore quatro meses.
Como você pode ter essa certeza?
O simples fato de ter conseguido se comunicar é uma motivação para sobreviver. Até porque deve haver psicólogos do lado de fora que estão ajudando as vítimas a lidar com a situação dentro da mina.
O que é pior quando se está preso?
O pior é quando não se sabe se está sendo procurado ou se ainda há possibilidade de resgate. As vítimas perdem gradualmente o controle psíquico da situação. Na Alemanha, houve a experiência dos mineiros de Lengede, em outubro de 1963. Dos 129 que estavam na mina no momento de uma explosão, 29 morreram e 11 ficaram soterrados. Estes 11 presos conseguiram sobreviver porque sabiam que ainda estavam sendo buscados.
O que acontece quando o grupo não entra em um acordo sobre as estratégias a seguir?
Tudo o que reduz a tensão social aumenta as chances de sobrevivência. Desunião e falta de clareza podem agravar a situação. Geralmente as vítimas deixam de lado problemas pessoais em prol do objetivo comum: sair dali com vida.
Há avanços no estudo de estratégias de sobrevivência?
Definitivamente. Há muitas experiências estudadas em acidentes marítimos, aéreos, cativeiro ou caso de seqüestro, em que as vítimas inventam todo tipo de atividade para sobreviver. Desde calendários, jogos de perguntas e respostas ou solução de problemas matemáticos, até criação de histórias.
Há ainda quem inventa fantasias gastronômicas e até sexuais. Muitas vítimas se propõem a fazer tudo que é bom, caso saiam vivas da situação. São formas positivas de levantar o ânimo de viver.
Que mensagem você enviaria a estas pessoas presas na mina como estratégia para sobreviver?
Eu lhes proporia realizar o seguinte exercício: assumir o papel de se sentir parte de um experimento e descrever tudo o que vivem, sistematizando ações e sensações: como podem (ou não) dormir, o que sonham, como funciona o corpo, quais são e como realizar as tarefas fisiológicas.
Com isso, pode-se traçar uma história e imaginar que se está em uma cápsula, que viaja pelo tempo e na qual os tripulantes têm que solucionar todos os problemas possíveis para sobreviver. Um exercício como este deixa lições valiosas para futuros acidentes. A verdade é que eu gostaria de estar agora no Chile para usar minha experiência e ajudar, para que todos os presos sobrevivam.
Autor: José Ospina-Valencia (rbc)
Revisão: Soraia Vilela