Filme baseado em romance de Vargas Llosa estréia em Berlim
13 de fevereiro de 2006A Festa do Bode (La Fiesta del Chivo), adaptação do romance homônimo de Mario Vargas Llosa, teve estréia mundial na seção Berlinale Especial. O filme conta a história de homens que fizeram de tudo para acabar com uma das tiranias mais sangrentas da América Latina (1930–1961). A narração é feita através da visão de Urania, uma mulher fictícia.
DW-WORLD: O que o levou a deixar o cinema de ação, sempre um sucesso de bilheterias, como "O Especialista", com Silvester Stallone e Sharon Stone, ou "Anaconda", e a embarcar em um filme com um aspecto político tão conflituoso como é o da ditadura de Rafael Leónidas Trujillo na República Dominicana? Quando e por que surgiu o interesse pelo tema?
Luis Llosa: Parte da minha vida está ligada à República Dominicana. O tema Trujillo sempre me pareceu fascinante através de diários e livros. Vivi na República Dominicana. Quando li o romance, achei que muito disso estava condensado de uma maneira muito interessante. E, ao mesmo tempo, estava querendo fazer um cinema mais pessoal do que o cinema "encomendado" que havia feito em Hollywood. Então, se deram as circunstâncias: um romance que me interessava o suficiente, e um romance que poderia ter a ver com minha experiência pessoal.
Se o tema político está presente, não foi isso o fundamental que me atraiu no romance. O lado político de uma ditadura tem muitos ângulos: os meios de comunicação, o Parlamento, o Poder Judicial. Mas, neste caso, era mais do que uma ditadura: o impacto dramático nos seres humanos. A vida de uma mulher que devido à ditadura sofre todo um trauma.
Quer dizer que o atraiu o aspecto psicológico do drama pessoal de Urania Cabral, representada por Isabella Rosellini, além da trama de conspiração dos que planejam o assassinato...
Exato. Respeitamos as três linhas narrativas do romance. Por um lado, a história desta mulher que viveu auto-exilada durante muitos anos e que possui alguma experiência terrível que não conhecemos, voltando para confrontar-se com seu passado e seu pai. Depois, os confrontadores, que estão em um carro esperando para matar Trujillo, onde através de flash backs ficamos conhecendo os motivos. E, por último, o próprio Trujillo. Essas são as três linhas narrativas do filme que vão misturando-se ao longo da narrativa.
Os dominicanos têm se empenhado em ler o romance como um texto de história, sem advertir que se trata de uma obra de ficção baseada na vida real. O preocupa que o filme seja observado pelos dominicanos como uma espécie de documentário ou memória histórica?
Gostaria que as pessoas fossem ao cinema com a mente mais aberta possível para ver um filme que pretende ser uma ficção de uma realidade. Acredito que não seja saudável ir assistir a esse filme como se estivesse indo ver um documentário muito rigoroso porque, nesse sentido, o filme tem inclusive propostas distintas às do romance. Nós tomamos algumas liberdades com o próprio romance, com o intuito de poder captar um espírito e uma estrutura própria.
Trata-se de um filme baseado unicamente no romance, ou também em feitos históricos?
É uma mistura. Para fazer o script, o li várias vezes e também viajei com o co-roteirista para a República Dominicana a fim de entrevistar algumas pessoas e ver alguns lugares. De forma que o que fizemos, ficção ou não, tem autenticidade. Neste sentido, somente conhecendo bem uma realidade é que se pode mudá-la mais ou menos ou afastar-se dela.
Certamente foi um desafio para você a responsabilidade de adaptar para as telas a obra de um dos escritores mais reconhecidos do século 20, que ainda é seu primo. Houve diálogo entre vocês na hora de fazer o script do filme?
Não. Na realidade a responsabilidade maior era porque estávamos diante de um grande romance, não pelo parentesco. Confesso que não houve nenhuma intimidação. Ainda que o contrário, o fato de poder ter a possibilidade de conversar quando necessário com o autor, sempre é de muita utilidade. Sempre esteve claro, tanto para mim quanto para ele, que o filme era minha criação e o romance, criação dele.
O filme necessitava do seu próprio espaço, das minhas próprias decisões. Nesse sentido, devo dizer que trabalhei com total liberdade, tanto da parte do autor como do próprio produtor.