Filme mostra despertar da sexualidade de jovem cego
10 de fevereiro de 2014No último dia das férias de verão, Leonardo (Guilherme Lobo) e a inseparável amiga Giovana (Tess Amorim) sentam à beira da piscina. Eles tentam aproveitar os últimos momentos de ócio antes da volta às aulas.
Giovana reclama que nada aconteceu nas férias. A jovem queria grandes dramas e amores. No entanto, o novo ano letivo trará surpresas. Os dramas e amores desejados por Giovana começam a tomar forma depois que Gabriel (Fabio Audi) entra para a classe da dupla.
Essa é a premissa de Hoje eu quero voltar sozinho, primeiro longa do paulistano Daniel Ribeiro. No filme, ele retoma personagens e a história do seu curta-metragem Eu não Quero Voltar Sozinho (2010).
"O curta era uma espécie de ensaio, um piloto para o longa. Tinha acabado de fazer o meu primeiro curta e achei que precisava de mais portfólio. O curta também era uma maneira de mostrar um pouco a estética e os personagens quando eu fosse buscar financiamento para o longa", disse o diretor à DW Brasil.
Essa não é a primeira vez de Ribeiro na Berlinale. Em 2008, seu filme de estreia, Café com Leite, ganhou o Urso de Cristal de melhor curta-metragem.
Final feliz não usual
Leonardo é como qualquer outro jovem de sua idade: busca experimentar a vida e ser independente. No entanto, ele tem que lidar com algumas dificuldades extras – nasceu cego e durante o filme se descobre gay.
"A sexualidade está muito atrelada à visão, assim me perguntei como uma pessoa cega sabe se está atraída por um homem ou uma mulher. Isso gera também uma discussão de onde vem nossa orientação sexual. Queria trabalhar com personagens gays, mas de uma forma nova, com outros conflitos", explicou Ribeiro.
Em busca de uma história universal, o diretor queria achar pontos comuns entre os dramas de Leonardo e as inquietações existentes em qualquer adolescente. "Fiz esse filme para o meu eu de 16 anos. Era o filme que queria ter assistido nessa idade", afirmou.
Hoje Eu quero voltar sozinhotenta também construir uma história com dramas, mas sem tristeza. "Queria fazer um filme que os jovens gays saíssem do cinema sem pensar que a vida deles seria uma desgraça. Hoje, há muito mais diversidade entre os filmes gays do que há 15 anos, mas ainda acho que não temos suficientes finais felizes", lamentou o diretor.
Mesmos personagens, outro filme
Assim como no curta, a força do filme está no trio principal, onde Ribeiro construiu personagens que são cativantes e complexos, que nunca perdem a conexão com o público.
O diretor e roteirista não fez nenhuma pesquisa especifica para criar os diálogos entre os adolescentes, mas contou com a ajuda dos atores durantes os ensaios para afinar o roteiro e deixar os diálogos mais verossímeis.
No entanto, a química entre Lobo, Amorim e Audi, que funcionou tão bem no curta, quase não chegou ao longa. "Até conseguirmos captar os recursos para o filme não sabíamos se eles ainda estariam jovens o suficiente para reviver seus papéis. Quando decidimos que íamos filmar em 2013, conseguimos manter o mesmo time, mas eles tiveram que deixar o cabelo crescer para parecerem mais novos", revelou Ribeiro.
Com os atores um pouco mais velhos, o diretor pôde dar mais dimensão aos personagens. A descoberta do amor, tema central do curta, se expandiu e ele conseguiu mergulhar a fundo na sexualidade dos personagens.
"Tem cenas mais fortes, mais corpo, nudez. Isso é bom porque deixou mais pungente essa questão da sexualidade. Queria ter explorado isso no curta, que é mais sobre o amor. Hoje Eu quero voltar sozinho vai mais a fundo na questão do desejo sexual, mas também não queria perder a essência utópica do curta", disse o cineasta.
Sucesso na rede
Eu não quero voltar sozinho, curta na qual o longa foi baseado, teve uma bela carreira nos festivais de cinema, mas diferente da maioria dos curtas, o filme de Ribeiro encontrou o grande público e foi visto por mais de três milhões de pessoas depois que caiu na internet.
"A primeira versão do roteiro era quase como o curta estendido, o que ficava cada vez mais sem graça, na medida em que o filme ganhava popularidade na internet. Tive que repensar a ideia e reescrever o roteiro. Acho que isso também trouxe força ao filme", explicou.
Para Ribeiro, a homofobia está, de um modo geral, muito menor no Brasil. Ele aponta as referências na mídia como um dos fatores de mudança. "A mídia americana influencia os jovens no Brasil, e as novelas influenciam as gerações mais velhas. Hoje, as pessoas sabem que existimos. Demos um passo gigantesco no Brasil, ainda há homofobia, mas não podemos ser pessimistas. As pessoas apanham, mas sabem que podem denunciar, antes ninguém ficava sabendo. Temos mais visibilidade e o debate está caminhando", concluiu o diretor.