Museu discute vida privada na era das redes sociais
9 de novembro de 2012"O Facebook é a progressão lógica do Big Brother". Essa tese fulminante não partiu de algum crítico de mídia intelectual e grisalho, mas sim do artista Edgar Leciejewski. Nascido em 1977 em Leipzig, ele é um dos 30 nomes convidados para participar da exposição intitulada Privat, no museu Schirn Kunsthalle, em Frankfurt. A mostra explora a forma como a arte lida com a vida privada. Ou, mais concretamente: o que as novas mídias estão fazendo conosco, seres humanos? Quais são os benefícios e os perigos, para o indivíduo, da exposição pública da vida privada?
Olhar sobre o Google Street View
A exposição coloca questões instigantes. Ao ouvir artistas jovens como Leciejewski, fica evidente que a forma de encarar computadores e smartphones, internet e redes sociais está sendo observada de maneira diferenciada, mas também com uma boa dose de desconfiança.
Leciejewski participa da mostra com três fotografias de grande formato, mostrando Nova York, com os passantes pixelados de forma a se tornarem irreconhecíveis. Ele teve a ideia há alguns anos, quando se confrontou pela primeira vez com imagens da metrópole norte-americana no Google Street View, conta Leciejewski à Deutsche Welle.
Na Alemanha, ainda não havia nada disso naquele tempo. Para o artista, as pessoas nessas fotos são retratos dos indivíduos do século 21: "Elas foram tornadas irreconhecíveis pelo Google, para que suas esferas privadas fossem mantidas", conta Leciejewski. No entanto, através do procedimento de torná-las irreconhecíveis, elas foram, na opinião do artista, reduzidas a meros marcadores de lugar, a superfícies de projeção.
Arte e vida privada – longa tradição
"Os artistas sempre se ocuparam de suas esferas mais íntimas e as expuseram", diz Max Hollein, diretor do Schirn Kunsthalle, ao lembrar que a conduta em relação à esfera privada não é tão recente na história da arte. O que eram os incontáveis autorretratos de artistas, se não testemunhos de suas imagens no espelho, comunicados sobre a própria vida? Fazer imagens de si mesmo ou escrever sobre si é algo de longa tradição, mesmo fora do mundo da arte. A exposição documenta isso em diários, fotografias particulares, polaroides e filmes Super 8.
O que é novo, por outro lado – e, portanto, temática primordial da mostra Privat –, é a inimaginável amplitude com que esse tema tem penetrado a sociedade, nos últimos anos. Redes sociais, sobretudo o Facebook, e canais na internet como o YouTube, permitem a qualquer um, caso queira, expor sua vida mais íntima a qualquer um, a qualquer hora. Essa tendência é, hoje, acompanhada e comentada por diversos artistas. Prova disso são obras como as de Leciejewski, que discutem explicitamente a conduta de gigantes da mídia como o Google,.
"Duas forças que se contrapõem"
"Claro que ficamos felizes com as diversas possibilidades tecnológicas das quais dispomos, e transparência pode certamente ser algo de muito bom", observa Martina Weinhart, curadora da exposição. Segundo ela, ninguém está querendo regressar às relações emboloradas dos anos 1950.
Por outro lado, Weinhart acentua: "Se não formos mais donos de nossa própria imagem, de nossa vida privada, se formos expostos nas situações mais desfavoráveis e ainda por cima no espaço público, então é preciso reconhecer que aí há duas forças que se opõem", analisa a curadora. No fim das contas, cada um deve decidir bem claramente como navega na internet.
Weinhart fala também de uma "solidão eletrônica" que assola as pessoas. E do "telefone celular-fetiche ", do qual muita gente não consegue mais se separar. Os depoimentos de artistas e curadores deixam transparecer um olhar desperto sobre os benefícios e as possibilidades de se entregar às novas mídias, mas também sobre o desafio envolvido.
Mas a exposição Privat mostra também as tremendas possibilidades de que dispõem tanto os artistas quanto o "cidadão comum". O chinês Ai Weiwei é hoje talvez o mais conhecido artista-ativista que usa a internet para seus próprios propósitos. Ele certa vez denominou a rede de "escudo privado".
Tendo em vista os países onde a liberdade de expressão é cerceada, percebe-se rapidamente o que ele quer dizer. Se o Estado viola os direitos humanos de Ai Weiwei, ele pode imediatamente "postar" para o mundo o que está acontecendo – pelo menos enquanto ainda tenha acesso às mídias. Isso fornece, pelo menos até certo ponto, uma certa proteção e segurança, podendo limitar o poder de um Estado repressor.
Mídias na sala de aula
Mas como encontrar a medida certa na selva de mídias, como proteger-se, talvez até de si mesmo? Um artista como Leciejewski faz uma sugestão tão surpreendente quanto simples: "Os políticos já propuseram em diversas ocasiões: é preciso criar uma matéria 'mídia' nas escolas", conclui o artista.
Para Martina Weinhart, a discussão sobre o tema leva ainda a uma outra questão. A seu ver, autenticidade e exposição da vida privada no espaço público são praticamente conceitos antagônicos. "Privacidade é também sempre encenado. Toda imagem é encenada. Não há uma imagem que caia por acaso do céu. Privacidade sempre foi uma construção. Já era assim nos anos 1960, com Andy Warhol". E hoje continua sendo assim: a vida privada "real" continua acontecendo a portas fechadas – quando as câmeras e os celulares estão desligados.
Autor: Jochen Kürten (sv)
Revisão: Augusto Valente