França entre os novos e os antigos refugiados
21 de setembro de 2015Alojamentos para solicitantes de asilo são raros na França. O afegão Nasrullah Daulatzia, de Cabul, sentiu isso na pele, pois teve que passar vários meses em parques e estações ferroviárias.
Faz apenas algumas semanas que ele mora numa escola desativada, junto com outros migrantes do Afeganistão e de países africanos. Montes de lixo e roupas estão espalhados pelo local, mas Nasrullah está grato por ter uma cama quente.
"É fantástico, muito melhor do que dormir lá fora", comenta.
Os migrantes costumam ter que esperar semanas ou até meses por um abrigo. E a situação se agrava no momento em que a França começa a receber sírios e iraquianos vindos da Alemanha – os primeiros dos cerca de 24 mil que o país pretende acolher nos próximos dois anos.
Sírios e iraquianos no foco da mídia
Organizações humanitárias se indagam, apreensivas, que consequências isso poderá trazer para os refugiados que já vivem há mais tempo em solo francês. Parte deles veio na tentativa de escapar da miséria econômica, enquanto outros fugiram de conflitos e repressão em países como a Eritreia ou o Sudão. Nem de longe o destino deles recebe tanta atenção da mídia quanto o dos refugiados que agora estão atravessando a Europa.
"Foram estabelecidas quotas para os sírios e os iraquianos porque esses países estão em guerra", explica Hervé Ouzzane, membro de um grupo que apoia os migrantes na antiga Escola Jean Quarré, no nordeste de Paris. "Mas nunca se fala de uma quota para as pessoas do Sudão ou da Eritreia. Isso me deixa furioso."
No entanto, é quase impossível definir regras vinculativas de acolhimento numa União Europeia profundamente dividida. Apenas poucos países acatam, como a Alemanha e França, a sugestão de distribuir os refugiados segundo um sistema de quotas. Assim, as autoridades francesas estão se esforçando para encontrar lugar para as dezenas de milhares de recém-chegados de outros Estados-membros da UE.
Solução forçada
Segundo Mathias Vicherat, diretor de gabinete da prefeita de Paris, Anne Hidalgo, "o Estado e a cidade mobilizam todos os meios e espaços pensáveis para poder acolher os refugiados". Ele veio até a margem do rio Sena acompanhar o desmantelamento de um campo de refugiados provisório bem no centro parisiense – o segundo naquela quinta-feira chuvosa.
"Os que tiverem que abandonar esses abrigos vão ser alojados em outro lugar até que o seu status tenha sido conferido", assegura o político. Embora a falta de locais apropriados para os requerentes de asilo seja um problema de longa data, o novo afluxo de refugiados parece ter finalmente fornecido um pretexto para que se encare a questão.
As autoridades parisienses anunciaram para breve a abertura de uma dúzia de novos centros. Neles serão alocados os refugiados que chegaram por último, juntamente com centenas de migrantes com status oficializado. Ao mesmo tempo, o governo francês oferece às municipalidades e comunas de todo o país mil euros por cada nova vaga para refugiados.
As reações dos ativistas que cuidam dos direitos dos migrantes a esse anúncio ambivalente. "Ficamos sabem com espanto que, num prazo de poucos dias, as autoridades conseguiram encontrar mil vagas – enquanto nós procuramos alojamentos há anos", aponta Aurélie Radisson, da organização beneficente Secours Catholique, concluindo: "A situação na Europa forçou o nosso governo a mudar a sua posição e a se engajar por uma solução."
De braços abertos
No subúrbio parisiense de Cergy-Pontoise, milhares de iraquianos e sírios recém-chegados vivem agora num tranquilo centro de lazer. Eles receberam documentos com prazo limitado, passaram por exames médicos e começam a aprender o idioma nacional.
Para o casal Leila Karaa e Fadel Adafai, da província de Diyala, no Iraque, esse alojamento marca o fim de uma longa viagem. "Nós fugimos do 'Estado Islâmico'", afirma Leila, enquanto seu marido desenha a bandeira da França. Como tantos outros, eles contam de uma perigosa jornada a pé, de barco inflável, trem e ônibus.
Sobretudo a estada de três dias na Hungria ficou na memória. "A polícia ofendia as pessoas. Batiam na gente com cassetetes elétricos e nos chutavam", relata Leila. Quando finalmente chegaram a Paris, depois de passar por Munique, ela foi abraçada por uma mulher. "As pessoas nos tratam com muita humanidade. Somos muito gratos à França", comenta.
Dois pesos e duas medidas?
Porém nem todos os refugiados foram tão calorosamente recebidos na Europa. Nasrullah Daulatzia, do Afeganistão, viveu seis anos como imigrante ilegal em Londres, antes de ser repatriado. Alguns meses mais tarde ele fugiu de novo do país, depois que sua casa em Cabul foi atacada, segundo conta.
Porém a escola ocupada em que Nasrullah vive era originalmente destinada a 80 imigrantes e 80 moradores de rua parisienses, reclama o ativista Ouzzane. "Agora nos deixam sozinhos aqui com 400 migrantes, para nós tomarmos conta."
O funcionário da prefeitura Mathias Vicherat nega que Paris trate os refugiados de formas distintas. "A cidade quer ajudar a todos. Mas há prioridades diferentes. Há tipos de diferentes de casos de emergência, a que reagimos de forma diferente. Os que chegam até nós como refugiados políticos de guerra, nós tratamos de outra forma que aqueles que viveram em circunstâncias especialmente traumáticas", argumenta o político.