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Há terreno para o terrorismo no Brasil?

Marina Estarque5 de agosto de 2016

País entrou no radar internacional do terrorismo. Entenda quais são as reais possibilidades de radicalização interna e onde se encontram as vulnerabilidades na segurança.

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Soldado no Rio de Janeiro durante os Jogos Olímpicos
Rio 2016 tem maior esquema de policiamento da história do BrasilFoto: Reuters/U. Marcelino

Com a prisão de ao menos 13 suspeitos de ligação com o "Estado Islâmico" (EI) nas últimas semanas, o Brasil entrou no radar internacional do terrorismo. A dúvida agora é se a ameaça existe apenas durante a Rio 2016, ou se o país corre o risco de se tornar terreno fértil para extremistas.

Segundo especialistas consultados pela DW Brasil, o nível de ameaça terrorista no país cresceu nos últimos anos, principalmente com a realização de grandes eventos, como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Para o especialista em segurança internacional Bernardo Wahl, houve uma evolução do terrorismo no Brasil desde os anos 1980.

"Antes, o país era apenas um lugar de passagem. Depois, se tornou um local de financiamento do terrorismo, com focos na tríplice fronteira. Agora, o Brasil está sendo declaradamente ameaçado pelo 'Estado Islâmico', que faz material de divulgação em português e afirma que o país é o próximo alvo", diz Wahl, que também é professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).

Ainda assim, especialistas afirmam que, até agora, não foram identificados polos ou regiões de extremismo islâmico no país. "Não há um nascedouro para recrutáveis do Estado Islâmico", diz Joanisval Gonçalves, vice-presidente da Associação Internacional para Estudos de Segurança e Inteligência (Inasis).

Entre os fatores para isso, está o fato de o Brasil ser visto como um país neutro, com um histórico de resolução pacífica de conflitos, além de não fazer parte da coalizão internacional contra o EI. Gonçalves destaca ainda que o Brasil não tem um passado de potência colonial, como a França e a Bélgica. "Esses países têm hoje uma segunda e terceira geração dos povos colonizados, vivendo dentro do território, que não estão integrados à sociedade europeia", afirma.

Além disso, ao contrário do que ocorre em alguns países europeus, a comunidade muçulmana brasileira está bem integrada, o que pode diminuir o interesse pelo discurso radical. "Em hipótese alguma está aumentando o radicalismo no Brasil", diz o vice-presidente da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras), Ali el-Zoghbi. "A gente teme que essas prisões [de supostos terroristas no Brasil] criem um circo midiático que sirva de combustível para pessoas desequilibradas".

A Fambras estima que haja hoje entre 750 mil e 1 milhão de muçulmanos no Brasil (0,5% da população). Para efeitos de comparação, a população islâmica na França – a maior da Europa – é de cerca de 6,5 milhões e representa 10% do total de habitantes do país.

"O Brasil não tem esse perfil. Nesses países europeus há um processo de marginalização, com a formação de guetos", diz Zoghbi.

Para ele, há um traço comum entre os terroristas recrutados pelo EI. "São pessoas sem estrutura familiar ou religiosa, sem perspectivas na vida. Claro que não dá para ser simplista nessa análise, mas a gente entende que isso também contribui para que essas pessoas sejam cooptadas", afirma ele, que é muçulmano e brasileiro.

O especialista em inteligência e defesa Peterson Ferreira da Silva, pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos do Exército, assinala, por sua vez, que fatores sociais e econômicos não são decisivos para que alguém se sinta atraído pela ideologia. "Basta uma pessoa para cometer um atentado terrorista".

Mesmo não tendo as mesmas características de alguns países europeus, os analistas não descartam a possibilidade de que brasileiros sejam recrutados pelo "Estado Islâmico" e reiteram, por isso, a importância de manter o controle e a vigilância. "O Brasil é visto como o país do Carnaval, com certos valores pagãos. Isso já pode ser motivação para um ataque", diz Wahl.

Novos adeptos

A maior preocupação no Brasil atualmente é com a radicalização através da internet. Zoghbi diz que novos adeptos, que conhecem o islã pelas redes sociais, estão mais vulneráveis ao extremismo do que membros mais antigos, que já nasceram dentro das comunidades muçulmanas.

"No Brasil, o processo de conversão tem acontecido muitas vezes através da internet, com uma visão distorcida do islamismo. Não tem uma intermediação ou orientação de uma autoridade religiosa, é um conhecimento frágil, de sites de pesquisa", aponta Zoghbi.

Soldados do Exército simulam ação contraterrorismo no Rio de Janeiro
Soldados do Exército simularam, em julho, ação contraterrorismo no Rio de JaneiroFoto: Getty Images/M. Tama

Ele não descarta, entretanto, que a radicalização possa ocorrer dentro das comunidades muçulmanas. Por isso, afirma que os líderes religiosos estão tomando medidas para tentar identificar e denunciar possíveis extremistas, além de promoverem cursos e uma aproximação maior para os recém-convertidos.

"Não podemos ficar omissos nessa situação, principalmente quando tentam sequestrar conceitos de uma religião que essencialmente é de paz. Nós, da comunidade, estamos atentos para poder trabalhar com as forças de segurança. Denunciar é uma obrigação", afirma.

Vulnerabilidade

As autoridades não descartam a hipótese de que o Brasil possa ser palco de um atentado terrorista. E o maior perigo não está na radicalização interna, mas na facilidade com que terroristas estrangeiros podem entrar no país. "O Brasil tem dimensões continentais, com uma população muito heterogênea e cerca de 16 mil quilômetros de fronteira. A circulação aqui é fácil, há pouco controle. Esse baixo nível de segurança pode ser atraente para terroristas", opina Gonçalves.

A falta de investimentos estruturais também teria tornado o Brasil mais vulnerável ao terrorismo. "O Brasil precisava, desde os anos 1990, de uma Política Nacional de Inteligência, que saiu na véspera das Olimpíadas. Se ela tivesse saído cinco anos antes, quando o Rio foi escolhido como sede, haveria espaço para aumentar a segurança a longo prazo", diz Silva.