História se escreve sem ênfase
28 de abril de 2006A crítica literária alemã virou objeto de mais uma polêmica. O estopim foi a recente publicação do livro Kurze Geschichte der deutschen Literatur von 1945 bis heute (Breve História da Literatura Alemã de 1945 até hoje), de Volker Weidermann.
Em 330 páginas, o crítico nascido em 1969 trata de seis décadas de história literária alemã, dando ênfase especial a aspectos biográficos, em detrimento de uma análise do contexto e do tratamento da linguagem nas obras. Esta foi a restrição quase unânime da crítica ao manual recém-lançado.
A polêmica ultrapassou os limites impressos dos suplementos culturais e tomou formas mais drásticas. A editora Kiepenheuer & Witsch, de Colônia, que publicou o livro de Weidermann, perdeu o escritor e letrista de música Wolf Biermann de seu quadro de autores.
Com a saída da editora, o legendário autor de protesto, expulso da Alemanha Oriental em meados da década de 70, reagiu à menção que Weiderman fez de sua obra e pessoa em Breve História. Nas palavras do crítico, já faria alguns anos que ninguém mais falaria de Biermann.
No lançamento do livro em Berlim, acompanhado por uma discussão de críticos no Literarisches Colloquium Berlin, o romancista Maxim Biller partiu em defesa de Weidermann, xingando – durante a gravação de um programa de rádio – o autor e crítico literário Hubert Winkels, por suas ressalvas à breve história literária da qual Biller consta, ao contrário de outros nomes da literatura alemã omitidos por Weidermann.
Historiografia como sensacionalismo biográfico
Talvez tudo isso não tivesse a mínima relevância, se não fosse o alcance da polêmica, que coincide com o foco extraliterário da apreciação histórica de Weidermann.
Num artigo em defesa própria no Frankfurter Allgemeine Zeitung, Weidermann lamentou os riscos do historiógrafo da literatura contemporânea: "Provavelmente esta é uma das razões pelas quais as histórias literárias só tratam de escritores mortos. Assim se pode canonizá-los com toda calma, deixá-los de lado, riscá-los ou destacá-los – por toda a eternidade".
Com certeza, não é das tarefas mais fáceis registrar movimentos artísticos atuais, ainda bastante passíveis de mudança. Mas a história literária de Weidermann parece viver em grande parte justamente do contato de seu autor, redator-chefe do suplemento cultural do Frankfurter Allgemeine Zeitung, com os escritores que conheceu em sua atividade de jornalista.
Qual o acréscimo para a historiografia literária representa a informação de insider de que o poeta Wolf Wondratschek tem poucos pêlos no peito avermelhado? A crítica se enfureceu.
Ao se defender dos ataques praticamente unânimes – contra a escolha nem sempre muito ortodoxa dos autores, as omissões injustificadas, o desmerecimento de escritores consagrados (como Christa Wolf e Martin Walser), o tratamento inconsistente da poesia, a exclusão de importantes movimentos de vanguarda, como a Poesia Concreta –, Volker Weidermann explicitou suas intenções:
"Afinal, o que sempre me interessou ao ler livros foram questões como: que tipo de pessoa é essa? Quem é esse que está escrevendo, e que história está por trás disso? E quase cada uma das 130 histórias de vida que escrevi para este livro é trágica. É a história de uma carência, de uma fúria, de uma invalidez, de uma necessidade existencial que levou o autor a escrever e que forma o pano de fundo de todos os grandes livros necessários, verdadeiros e passionais desta época."
A prática da crítica literária como sensacionalismo biográfico não deixa de ter tradição na Alemanha. Marcel Reich-Ranicki, entertainer celebrado como crítico literário, é a referência explícita de Weidermann em sua breve história da literatura contemporânea.
Gnósticos X entusiastas
A polêmica em torno da rala história literária de Weidermann levou o germanista Hubert Winkels, nascido em 1955, a diferenciar dois tipos de críticos: os gnósticos e os enfáticos. Os primeiros se empenhariam em contextualizar a obra na tradição literária e descrever os aspectos formais da obra, enquanto os últimos seriam entusiásticos em recomendar os livros de sua preferência, sem – no entanto – revelar muita coisa sobre os procedimentos estéticos. Weidermann, sem dúvida, pertenceria à segunda categoria.
Os argumentos não são novos. O que admira é o fato de a polêmica estar sendo considerada – exageradamente – um conflito de gerações. E o fato de o representante da nova geração, Volker Weidermann, recorrer a uma concepção de literatura anterior à ascensão e declínio da crítica imanente à obra e ao estruturalismo. Como se nada disso tivesse existido e sido questionado por correntes teóricas posteriores. E o fato de um crítico da chamada nova geração representar e tentar justificar como proposital um retrocesso.
Talvez a grande novidade do ocorrido seja o fato de o "achismo" generalizado da crítica literária jornalística ter ousado pisar no terreno na historiografia literária. Afinal, jornais se jogam fora, mas livros de história ficam – pelo menos nas prateleiras.