Hopper: o realismo por trás da imagem
20 de outubro de 2004Há muito seus motivos pictóricos já são clichês: casais sem nada para se dizer, mulheres perdidas em cafés e saguões de hotéis, ruas e paisagens sem viva alma. Reproduzidos aos milhões, em posters, camisetas e bolsas, quase todo o mundo os conhece: o pintor Edward Hopper definiu como nenhum outro nossa imagem dos Estados Unidos, seus quadros se tornaram a própria acepção do american way of life. Mais ainda: eles são símbolos do dia-a-dia moderno, povoados por pessoas que estão alienadas de si mesmas e sem raízes.
O Museu Ludwig, de Colônia, apresenta até 9 de janeiro de 2005 uma retrospectiva abrangente da obra do norte-americano Edward Hopper (1882-1967). Segundo o curador da mostra, Ulrich Wilmes: "Hopper tematiza repetidamente a mobilidade como sinônimo do homem moderno". Este é sempre apresentado numa situação de mudança: nem está em casa, nem chegou ainda ao seu destino.
Sucesso tardio
Hopper foi um artista "temporão". Antes de encontrar seu lugar entre os grandes do século 20, trabalhou como ilustrador free-lancer, e somente depois dos 40 anos alcançou reconhecimento artístico. Em 1933, o Museu de Arte Moderna de Nova York dedicou-lhe uma exposição individual e comprou uma de suas aquarelas por 250 dólares. Aqui começou a ascensão: seus temas existencialistas – a solidão do homem urbano, a hostilidade da natureza – tornaram-se altamente atuais nas décadas de 50 e 60.
A popularidade ininterrupta faz quase esquecer a enorme complexidade formal de suas telas. Influenciado pelos últimos impressionistas, sobretudo os franceses Edgar Degas e Edouard Manet, Hopper já experimentava desde 1900 com luz e sombras. Por vezes um raio de sol lança um brilho amarelado e frio sobre um rosto à janela; por outras a luz artificial crua irrompe do interior de uma casa vitoriana. A luminosidade é tanto metáfora para o vazio emocional, quanto sinal de uma relação deturpada entre natureza e civilização.
A arquitetura é uma presença constante na pintura de Hopper. Sua obra mais famosa, Nighthawks (Falcões noturnos, 1942), apresenta um típico bar de esquina. Em Early Sunday morning (Domingo de manhã, 1930) a colorida fachada de uma loja corta abruptamente o céu azul. Notável é também sua série dedicada aos faróis.
Romance com o cinema
O realista norte-americano dominava a arte de criar suspense utilizando tais cenários arquitetônicos, um truque que o cinéfilo apaixonado aprendera com os mestres do filme. Mas a influência é mútua, já que numerosos cineastas também se deixaram inspirar pelos misteriosos prédios de Hopper.
O macabro Motel Bates no thriller Psicose (1960) não é outro senão a House by the railroad (Casa à beira da ferrovia, 1925), que Alfred Hitchcock fez reproduzir fielmente. Entre os mais ardorosos admiradores de Edward Hopper está Wim Wenders: para seu filme O fim da violência (1997) o diretor alemão mandou construir o icônico bar de Nighthawks. Wenders denomina a arte de Hopper "imagens em pose de espera".
O olhar voyeurístico
Embora o pintor reduza a um mínimo os elementos anedóticos, estes parecem prontos a contar uma história, mantendo-se no limbo entre promessa e anseio. Com freqüência seus quadros têm traços francamente voyeurísticos: uma janela que permite ao observador o vislumbre proibido sobre mundos estranhos.
Até o final da vida Hopper permaneceu fiel a seu realismo lacônico. Porém, suas telas não reproduzem simplesmente a realidade e sim revelam seu sentido para além do que os olhos vêem. Um silêncio opressivo paira sobre a imagem. Mas quem quiser vivenciar esse efeito mágico não deve se contentar com reproduções: o caminho até os originais, em Colônia, compensa.