Idioma inglês em campanha de conquista na Alemanha
27 de agosto de 2023Não vão tão longe assim os dias em que políticos alemães se recusavam a falar inglês: ainda em 2009, o então ministro do Exterior, Guido Westerwelle, fez manchetes por esnobar um repórter da BBC que lhe pediu que respondesse em inglês: "Na Alemanha, é claro, a gente fala alemão", rebateu o político liberal.
Hoje não são poucos os altos funcionários alemães aptos a ostentar suas credenciais linguísticas. O ministro da Defesa, Boris Pistorius, e a do Exterior, Annalena Baerbock, não têm problemas no desempenho de suas funções no estrangeiro. Recentemente seu colega Christian Lindner, das Finanças, participou de um debate sobre a economia alemã na Bloomberg TV.
A ex-chanceler federal Angela Merkel (2005-2021) quase nunca falava inglês – mesmo em seu discurso aos formandos de Harvard, em 2019, ou numa entrevista com a repórter da CNN Christiane Amanpour.
Por outro lado, o sucessor dela, Olaf Scholz, fez bela figura ao se apresentar na mesma emissora em seu segundo idioma. E quando, numa coletiva pós-eleições, um jornalista lhe pediu uma resposta em inglês, em vez de desdém westerwelliano, o chefe de governo acedeu com a típica austeridade scholziana, tão seco em língua estrangeira quanto costuma ser em seu alemão materno.
Liberais pressionam por mais inglês no serviço público
Ironicamente, quem mais faz campanha hoje em dia por uma maior presença do inglês nos assuntos oficiais de Estado é precisamente a sigla antes liderada por Westerwelle, o Partido Liberal Democrático (FDP).
Pois nos negócios há muito o inglês é o idioma preferencial na Alemanha, enquanto potência econômica, dependente de exportações e sede de importantes empresas globais. Como é inevitável, disputas comerciais transnacionais "despontam com frequência", exigindo "solução rápida e profissonal", observou a vice-porta-voz do governo federal, Christiane Hoffmann, numa coletiva de imprensa.
Por isso, no começo de agosto o gabinete aprovou o projeto de lei apresentado pelo ministro da Justiça Marco Buschmann, do FDP, para que se ampliem os tribunais do comércio do país, capacitando-os a também tratarem de casos em inglês. Um objetivo da lei, ainda dependente da aprovação do Bundestag (câmara baixa do parlamento) para entrar em vigor, seria "fortalecer a atratividade da Alemanha como locação judicial e comercial", explicou Hoffmann.
Em 2018, um tribunal apto a julgar litígios em inglês foi criado na capital financeira Frankfurt. De resto, desde o Brexit, em 2020, na União Europeia cresce o número dos tribunais comerciais: com a retirada do Reino Unido do bloco internacional, a Alemanha, França e Holanda competem para se tornar a alternativa ao sistema legal britânico.
No entanto, essa transição pode levar anos, já que uma "divisão geracional" afeta os tribunais alemães, explica Michael Weigel, advogado comercial praticante e membro da Câmara Federal dos Advogados da Alemanha (Brak): "Como com qualquer tipo de especialização, é preciso tempo para dominar essas aptidões. Isso custa dinheiro."
Código Civil: alemão é único idioma oficial
Esse ceticismo também se manifesta em outras áreas marcadas pela anglicização. Em 2022, o FDP anunciou interesse em introduzir o inglês na administração pública como segundo idioma oficial. A recém-aprovada Lei de Imigração de Trabalhadores Especializados (Fachkräfteeinwanderungsgesetz ou Skilled Workers Act) visa facilitar que estrangeiros encontrem trabalho no país, também acelerando o reconhecimento de suas qualificações em outras línguas.
No entanto o Código Civil do país determina o alemão como único idioma oficial: requerimentos e documentos estrangeiros submetidos a uma repartição pública devem ser sempre traduzidos. A inclusão do inglês como segunda língua oficiall teria, portanto, que ser aprovada pelos governos federal e estadual, mas até agora só os liberais pleiteiam tal mudança.
Espera-se das companhias que "estejam abertas a candidatos anglófonos", declarou à imprensa o secretário-geral do FDP, Bijan Djir-Sarai, em fevereiro. "Aí também se pode esperar que repartições e governos estejam aptos a oferecer serviço completo em inglês a essas pessoas."
Ulrich Silberbach, presidente do sindicato dos funcionários públicos alemães DBB, afirmou ao tabloide Bild que já se fala bastante inglês nas repartições governamentais.
"Competência linguística na administração é, em primeiro lugar, uma questão de dinheiro", e grande parte do público fala francês, árabe ou persa, em vez de inglês: "Precisamos de treinamento, ferramentas de tradução e mediadores linguísticos, mas todos esses são investimentos em pessoal. Uma exigência generalizada de inglês não vai nos ajudar", assegurou Silberbach.
"Em Berlim tem garçonete que só fala inglês"
Desde 2005, o inglês é ensinado nas escolas primárias alemãs, sendo exceção das regiões fronteiriças com a França. Segundo o banco de dados do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD), cerca de 10% dos programas de graduação são oferecidos em inglês.
Embora acolha uma grande população de imigrantes, a Alemanha consulta mau desempenho nas pesquisas de opinião entre estrangeiros. Numa pesquisa realizada em 2023 pela rede InterNations, de jovens emigrantes ("expats"), sediada em Munique, o idioma foi um fator central para a baixa cotação da Alemanha.
Berlim é uma exceção: em 2017, o então ministro da Saúde, Jens Spahn, até reclamou que na capital era impossível se virar só com alemão. "Fico chateado que em alguns restaurantes de Berlim as garçonetes só falem inglês. Tenho certeza de que isso não aconteceria em Paris."
De fato: tornou-se perfeitamente aceitável jovens imigrantes trabalharem nas lojas berlinenses mais descoladas sem nenhum conhecimento do idioma – enquanto seus pais tiveram negado o acesso ao mercado de trabalho alemão, apesar de bons conhecimentos de inglês.
Entretanto, com a modernização das leis de imigração, é provável que esse tipo de obstáculo se torne definitivamente coisa do passado na Alemanha contemporânea.