Impasse político leva EUA à beira do abismo fiscal
27 de dezembro de 2012O polarizado Congresso dos Estados Unidos só tem quatro dias para evitar que o país caia no chamado abismo fiscal. Caso não o consiga, os cidadãos do país irão vivenciar um doloroso aumento de impostos e sensíveis cortes de gastos. O que, de acordo com especialistas, resultaria em recessão nos EUA e desaceleração significativa para a economia mundial.
A situação é tão grave que o presidente Barack Obama interrompeu suas férias de Natal no Havaí e retornou nesta quinta-feira (27/12) a Washington, para talvez alcançar um acordo de último minuto. O cerne da disputa são, sobretudo, os aumentos de impostos para os mais ricos. Obama quer taxar mais fortemente famílias com renda anual superior a 250 mil dólares e manter os cortes de impostos para a classe média. Os republicanos rejeitam aumentos de impostos categoricamente.
Por meio de truques de contabilidade, o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, tenta agora protelar por pelo menos dois meses o iminente bloqueio de gastos. Ele propõe, por exemplo, a suspensão dos pagamentos de um fundo de aposentadoria para servidores federais, além da venda de alguns títulos públicos. Segundo Geithner, tais medidas poderiam significar uma margem financeira adicional de 200 bilhões de dólares.
Desarmonia republicana
Mas são baixas as expectativas de que Washigton consiga resolver os problemas graves – e, além de tudo, autoinfligidos – do pais. O simples fato de Obama e o líder da maioria republicana na Câmara dos Representantes, John Boehner, não terem, como de costume, interrompido logo de início suas conversas por uma solução para a crise fiscal, foi pretexto para uma onda de júbilo pré-natalino.
E parece que foi justamente isso que os republicanos pararam de fazer: conversar entre si. Boehner sofreu na semana passada um severo revés, ao ter de suspender a votação de um projeto seu, visando o aumento de impostos para os ricos com renda anual superior a 1 milhão de dólares.
Ele admitiu não ter visto a menor chance de avançar com seu plano, devido à enorme resistência nas próprias fileiras republicanas contra qualquer tipo de aumento tributário, em particular partindo do radical Tea Party.
Após essa revolta dentro do próprio partido, uma aproximação entre Boehner e Obama parece mais longínqua do que nunca. Acrescente-se a incerteza quanto a uma solução real e robusta, e o fato de que os detalhes importantes de um possível acordo só poderão ser elaborados no próximo ano.
Recessão iminente
Há muita coisa em jogo. De acordo com uma análise do independente Gabinete do Congresso para o Orçamento (CBO, na sigla em inglês), os efeitos de um abismo fiscal seriam catastróficos. Os aumentos de impostos que entrarão em vigor automaticamente em 1° de janeiro de 2013, aliados à simultânea implantação de medidas de austeridade econômica, implicariam um corte orçamentário de 607 bilhões de dólares, ou 4% do Produto Interno Bruto.
No entanto, a iminente crise fiscal não é somente previsível há muito tempo, como também autoinfligida. Ao prorrogar, em 2010, os cortes temporários de impostos da administração Bush por mais dois anos e, no ano seguinte, aprovar cortes automáticos de gastos a partir de 2013, os próprios deputados norte-americanos prepararam o caminho rumo ao abismo fiscal, e se impuseram um ultimato.
"Se os norte-americanos caírem no abismo fiscal, a culpa é do Congresso. Nos últimos quatro anos, o Congresso foi totalmente incapaz de realizar sua função principal, ou seja, fazer um orçamento", disse Vincent Michelot, especialista em assuntos norte-americanos da universidade Sciences Po de Lyon. "Nem a chamada supercomissão, nem outra comissão foram capazes de resolver a crise orçamentária e, como resultado, temos agora este ultimato de 31 de dezembro."
Medo do meio-termo
Em outras palavras: a crise fiscal surgiu porque o Congresso norte-americano não conseguiu chegar a um meio-termo sobre diversas leis orçamentárias e fiscais. Então, fez um gigantesco pacote com elas e o datou para o futuro mais longínquo possível, de modo a colocar-se sob pressão para solucionar o problema.
O que naturalmente leva à pergunta: por que é tão difícil para os congressistas norte-americanos chegarem uma solução comum, seja quanto ao abismo fiscal, a regulação financeira, a reforma da Saúde ou as leis de imigração?
"O verdadeiro problema das conversas sobre o abismo fiscal para ambos os partidos, mas principalmente para os republicanos, é que cada deputado que concorde com um acordo, pode contar com um candidato adversário que rejeitou tal acordo, quando chegar a hora de ser nomeado pelo partido para as eleições", explicou Gregory Koger, da Universidade de Miami, especialista em estudos sobre o Congresso norte-americano.
Por esse motivo, a recente eleição nada mudou. Os republicanos podem ter perdido a presidência e o Senado, mas ganharam a eleição mais importante para o processo legislativo. Os republicanos não só conseguiram defender sua maioria na Casa dos Representantes, como tiveram clara vantagem sobre os democratas em muitas votações.
Koger vê uma contradição óbvia entre os interesses do nacionalista Partido Republicano e seus deputados na Câmara dos Representantes. "O Partido Republicano tem que mudar, se quiser voltar a vencer uma eleição presidencial. Ao mesmo tempo, individualmente, os membros da Câmara dos Representantes não têm interesse em mudanças, pois assim correriam o risco de perder seu assento seguro para alguém mais conservador do que eles."
Próximo teste
Por esse motivo, para muitos republicanos na Câmara de Representantes, um acordo com os democratas significa suicídio político. Isso explica por que ficou mais difícil encontrar soluções conjuntas em Washington. A palavra "acordo" tornou-se um insulto político.
"É muito decepcionante", comenta Koger. "Isso mostra como é difícil para o nosso sistema chegar a um meio-termo. Porque temos políticos sem nenhum interesse em meios-termos."
É verdade que, após a derrota eleitoral, os republicanos ao menos passaram a discutir a posição do partido quanto à imigração e quanto aos diferentes grupos de eleitores. Mas não quanto à questão central: economia e impostos.
"Não houve nenhuma mudança ou arrependimento em relação ao programa econômico do Partido Republicano", afirma Michelot. "A esse respeito, a posição deles não se alterou em nada."
Assim, mesmo que no último minuto se chegue a um meio-termo sobre a crise fiscal, e que ele seja festejado como um milagre natalino político, a regra básica continua vigorando, na Washington política: fazer acordo não compensa. E o próximo grande teste para essa regra já está fixado: o endurecimento das leis de controle de armas de fogo.
Autor: Michael Knigge (ca)
Revisão: Augusto Valente