Imprensa amordaçada
22 de maio de 2008O apresentador de TV Fabio Fazio devia saber o que o esperava, ao convidar para seu programa o jornalista Marco Travaglio. Pois este não tem papas na língua, muito menos quando se trata dos podres dos políticos do país.
E Travaglio falou às câmaras o que todos já sabem, mas não ousam mencionar: há 20 anos o presidente do Senado, Renato Schifani, fazia negócios com um chefão da Máfia. Só que este não é o verdadeiro escândalo na Itália de hoje, mas sim o fato de alguém tocar abertamente no assunto.
Big Berlusconi
Fazio foi o primeiro a tomar partido. Enquanto seu entrevistado ainda falava, fez questão de se distanciar das declarações, encarando as câmaras com ar de constrangimento, como se procurasse o olhar de Silvio Berlusconi, para desculpar-se.
Pois o primeiro-ministro italiano não gosta nem um pouco que se diga esse tipo de verdade incômoda sobre seus correligionários, como é o caso de Schifani, da Forza Italia siciliana. E agora, políticos de outros partidos destrincham o tema diariamente, na imprensa escrita e televisada.
O real escândalo caiu totalmente para segundo plano. Ou seja, o fato de o recém-empossado presidente do Senado haver mantido a agência de seguros Sikula Broker em parceria com o chefão Mandalà, que foi mais tarde condenado.
Além disso, Schifani trabalhava para o conselho municipal de Villabate, nas redondezas de Palermo, o qual foi dissolvido, devido a infiltração mafiosa. Mas no momento, quem está exposto ao opróbrio é Travaglio, por suas declarações públicas.
Em nome da verdade
O canal estatal RAI, que irradiou ao vivo a entrevista, já se desculpou publicamente junto a Schifani, para satisfação dos partidos do governos. Mas também Giovanna Melandri, ministra da Comunicação do gabinete paralelo (encabeçado pelo oposicionista Walter Veltroni), saudou a atitude. Ninguém do partido de Veltroni defendeu Travaglio.
Este já está acostumado a isso. E não se importa, pois sabe que não está espalhando mentiras. "Sou jornalista, e pouco me importa o que os políticos digam de mim. Jornalistas estão para informar sobre a verdade, e foi isto o que fiz."
Há bastante tempo uma ética jornalística como a de Travaglio é artigo raro na Itália. Ele considera uma tragédia os jornais só escreverem sobre aquilo que a televisão noticiou na véspera. Pois quem define o que é notícia são os políticos. "Com o auxílio se seus órgãos de controle, eles colocam uma mordaça na liberdade de imprensa. Os jornalistas sabem disso e agem de acordo", censurou o profissional.
A lei do mais esperto
Assim, nem é necessário censura, pois certos temas já são excluídos de antemão, a fim de evitar aborrecimentos. Ao mesmo tempo, se observa um embrutecimento da sociedade italiana. Cansados, muitos preferem "deixar para lá", quando se trata de crimes de colarinho branco. É o que o autor Nanni Ballestrini define como uma "ditadura suave", que afeta toda a sociedade desde o início da era Berlusconi.
Travaglio falou de um assunto que não é novo, e sobre o qual qualquer um pode ler. "Mas ninguém lê", comenta Ballestrini, "pois, para os italianos, tanto faz. Pelo contrário: quando um político se comporta assim, ele é esperto, e ainda o admiram. Do mesmo modo, a fascinação por Berlusconi parte do fato de ele ter tantos processos nas costas."
No entanto o premiê italiano não gosta que se fale desses processos na mídia. Em seus próprios canais, basta um telefone para abafar qualquer reportagem crítica. Na TV estatal RAI, sua influência não é ainda tão direta, porém perceptível. Na Itália os partidos do governo ocupam com candidatos de sua escolha os cargos de liderança da RAI. E em breve estará na hora de distribuir esses postos.