Inflação faz economia argentina balançar
17 de fevereiro de 2014Até poucas semanas atrás, iogurte era um alimento básico na Argentina – não saía por mais de 2 pesos. Recentemente, porém, se tornou um artigo de luxo nos supermercados de Buenos Aires, ao preço de 7,35 pesos. O aumento do preço foi superior a 260%, um reflexo da vertiginosa inflação argentina.
Desde que, em janeiro passado, o governo Cristina Kirchner foi obrigado a desvalorizar a enfraquecida moeda nacional em 23%, os preços explodiram. Alimentos ficaram, em média, 50% mais caros, e eletrodomésticos, 30%. O mercado de automóveis está praticamente paralisado.
Muitos artigos de necessidade básica diária não são mais encontrados nas prateleiras dos supermercados, porque os produtores não conseguem mais arcar com os custos. Fora isso, não raro eles não conseguem pagar pelas importações, com frequência cobradas em dólares, que, por sua vez, continuam difícil de se obter – apesar do relaxamento do governo sobre os mecanismos de controle das moedas estrangeiras.
O panorama leva a algumas situações curiosas. Como a de uma rede americana de fast food, que ficou sem ketchup durante dias em suas mais de 200 filiais. A explicação: o produto vem do Chile, e fornecedores, que queriam dólares, recusaram uma oferta de receberem o pagamento pelo produto em pesos argentinos.
Supermercados vigiados
O governo Kirchner também precisa urgentemente da divisa americana. O país ainda tem que pagar 10 bilhões de dólares em dívidas derivadas da crise de 2002, além de arcar com os custos da importação de gás e petróleo, estimados em 13 bilhões de dólares ao ano. As reservas do Banco Central, no entanto, já teriam encolhido para 29 bilhões de dólares.
A reação do governo à inflação galopante é a de sempre: intervenção estatal e controle dos preços na tentativa de mantê-los em nível tolerável. Alguns produtos tiveram seus preços congelados. Voluntários do partido jovem kirschnerista La Cámpora patrulham os supermercados para denunciar violações. A indústria farmacêutica negociou para que os preços de 18 mil medicamentos voltassem aos patamares de janeiro.
O governo também busca novos inimigos para tirar o foco de sua própria incompetência. Diz que os aumentos de preços seriam resultados de especulações e da cobiça dos empresários. "O importante é que os supermercados abaixem os preços", reclama Alberto Samid, vice-presidente do Mercado Central de Buenos Aires. "Eles têm margens de lucro enormes, que chegam a 200%. Eles bem que poderiam abrir mão de 20%."
Por esse motivo, os jovens do La Cámpora espalham cartazes com as fotos dos donos de supermercados, chamando-os de "ladrões" e "bandidos", que supostamente estariam roubando da população. O economista Juan José Llach classifica a política econômica do governo como "arcaica".
"Chegamos a essa situação problemática por nossa própria culpa", afirmou. "A desvalorização era, provavelmente, inevitável, mas não trará soluções se não vier acompanhada de outras medidas."
O empresário e cofundador do Fórum Iberoamericano Ricardo Esteves exigiu, em um artigo no jornal espanhol El País, que a Argentina se abra aos investidores estrangeiros e reduza o deficit governamental. "No contexto atual, todas as medidas são inúteis ou danosas se ao mesmo tempo o rombo no deficit não for combatido", escreveu.
O fantasma da inflação
Para isso, no entanto, o governo teria que introduzir medidas de austeridade que contrastam fortemente com a ideologia do governo Kirchner. "O objetivo dela sempre foi encher os bolsos da sociedade e assegurar apoio. Tem sido assim há anos, com aumentos salariais sem que a produtividade crescesse. Gastaram milhões em planos sociais que solaparam qualquer cultura do trabalho", escreveu Esteves.
As medidas que o governo criou para se salvar poderão sair pela culatra. Em todos os setores do mercado de trabalho deverá haver negociações. E é certo que professores, enfermeiros, trabalhadores dos transportes e da coleta de lixo não vão aceitar reajustes abaixo da inflação.
O economista e consultor Carlos Melconian teme que as negociações sejam difíceis. "Nenhum sindicato vai aceitar, perante uma inflação de 28%, um acordo coletivo com ganhos abaixo dos 30%", observou.
A presidente argentina pediu aos líderes sindicais que façam exigências moderadas. O discurso revela uma mudança no tom do governo. É possível que Cristina tenha se lembrado do início de 1989, quando o país atravessava uma situação semelhante. Na época, a inflação chegou a 3.000%, e a população, revoltada, promoveu saques aos supermercados. Pouco depois, o então presidente, Raúl Afonsín, teve que renunciar.