Lava Jato completa cinco anos com derrotas e sob críticas
17 de março de 2019A Operação Lava Jato completa cinco anos neste domingo (17/03), já sem a mesma força de antes e em meio a críticas à conduta de seus membros.
Nos dois primeiros meses deste ano, a operação ainda mostrou vigor ao determinar uma segunda condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao prender o ex-governador paranaense Beto Richa e o ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto e suspeito de ser operador de propinas do PSDB.
Também havia a expectativa de que 2019 fosse marcar o ano em que políticos derrotados nas últimas eleições entrariam no radar imediato do núcleo curitibano da operação, após perderem o foro privilegiado. A nomeação do ex-juiz Sérgio Moro, principal estrela da operação, para o cargo de ministro da Justiça e da Segurança Pública parecia sinalizar uma nova era, na qual a Lava Jato passaria a influenciar decisivamente o funcionamento da política dentro do próprio governo.
No entanto, os dias que antecederam o aniversário de cinco anos foram marcados por derrotas para a operação. A primeira delas partiu da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que arquivou um pedido de suspeição contra o ministro Gilmar Mendes apresentado pelos procuradores da força-tarefa de Curitiba.
Em seguida, os procuradores curitibanos sofreram novo revés em relação à proposta de criação de uma fundação bilionária, turbinada com recursos de uma multa aplicada à Petrobras, após críticas de outros membros do Ministério Público e uma censura pública da própria procuradora-geral. A fundação deveria gerir recursos recuperados na Lava Jato e destinar parte deles a iniciativas sociais, em áreas como educação, saúde e meio ambiente.
Na última sexta-feira, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu uma liminar para suspender o acordo de criação da fundação e determinou o bloqueio de valores já depositados pela Petrobras numa conta ligada à 13ª Vara Federal de Curitiba.
Na quinta-feira, ocorreu o revés mais significativo: por seis votos a cinco, o STF decidiu que crimes comuns – como corrupção e lavagem de dinheiro –, quando relacionados a delitos eleitorais como caixa 2, devem ser julgados pela Justiça Eleitoral.
Na avaliação de críticos da decisão, a Justiça Eleitoral não é conhecida pela rigidez e pela capacidade de conduzir investigações complexas. Assim, a decisão foi encarada como uma vitória para os políticos acossados pela operação. O coordenador da força-tarefa em Curitiba, Deltan Dallagnol, chegou a afirmar que "começou a se fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há cinco anos, no início da Lava Jato".
Enquanto isso, Moro chega ao quinto aniversário da operação, que projetou seu nome nacionalmente, sofrendo com o desgaste de assumir um papel político e fazer parte de um governo que ataca órgãos de controle como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e o Ministério Público do Rio de Janeiro.
Moro também se viu envolvido em embates com os setores mais ideológicos do governo, que o levaram a recuar da nomeação de uma especialista em segurança pública para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e que vêm pressionando por ainda mais flexibilização no mercado de armas de fogo.
A própria nomeação de Moro, em novembro passado, já havia alimentado questionamentos sobre sua conduta, já que ele havia sido o juiz responsável pela prisão de Lula, que até setembro de 2018 era o principal rival do então candidato a presidente Jair Bolsonaro.
Contraste com aniversários anteriores
O desgaste de Moro e as recentes derrotas contrastam com aniversários anteriores da Lava Jato, quando era o velho mundo político que estava na defensiva.
Em março de 2015, o primeiro aniversário da operação foi marcado pela prisão de ex-diretores da Petrobras e pela divulgação da primeira lista de políticos suspeitos de envolvimento com corrupção na Petrobras.
Em março de 2016, foi a vez da condenação do empreiteiro Marcelo Odebrecht e da divulgação pelo então juiz Moro dos grampos do ex-presidente Lula, que ajudaram a selar o fim do governo Dilma Rousseff.
No ano seguinte, o aniversário foi marcado pela prisão de operadores do MDB e pela ofensiva do braço da operação no Rio de Janeiro contra a elite política e econômica do estado.
Em 2018, o quarto aniversário ocorreu em meio à expectativa da prisão iminente de Lula, que ocorreu menos de um mês depois, em 7 de abril.
Agora, são os próprios procuradores da operação que estão na mira. Além de fortalecer o papel da Justiça Eleitoral, o STF também abriu um inquérito para investigar ofensas à Corte. Segundo o presidente do tribunal, Dias Toffoli, serão investigadas "a existência de notícias fraudulentas, denunciações caluniosas e ameaças".
Apesar de Toffoli não ter citado nomes, o inquérito deve envolver os procuradores Dallagnol e Diogo Castor – o último publicou um artigo afirmando que o STF preparava "um golpe" contra a Lava Jato nos dias que antecederam o julgamento sobre o papel da Justiça Eleitoral. Antes disso, Toffoli já havia dito que iria denunciar Castor ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e à Corregedoria do Ministério Público Federal. Membros do MP questionaram a legalidade da abertura do inquérito pelo STF.
Durante o julgamento, alguns ministros do Supremo também aproveitaram para distribuir críticas aos procuradores da Lava Jato. O ministro Gilmar Mendes, que sempre teve uma relação conflituosa com a operação, chamou os procuradores de "gentalha despreparada", que "não tem condições de integrar um órgão como o Ministério Público".
Já o ministro Alexandre de Moraes disse que os procuradores se comportavam como "salvadores da pátria" e "liga da Justiça sagrada". Na sexta-feira, Moraes ainda determinou a suspensão de todos os efeitos do acordo celebrado pela força-tarefa da Lava Jato de Curitiba que estabeleciam a criação da bilionária fundação e determinou o bloqueio de todos os valores.
Efeitos de decisão do STF
Os efeitos do julgamento do STF da última quinta-feira já se fazem sentir. Um dia após a decisão, José Richa Filho, réu em um desdobramento da Lava Jato e irmão do ex-governador Beto Richa, pediu que sua ação penal saia da Justiça Comum e migre para a Justiça Eleitoral.
Segundo estimativas dos procuradores da força-tarefa, cerca de 150 condenações correm o risco de ser anuladas após a decisão de que a Justiça Eleitoral pode julgar crimes comuns. Entre os possíveis beneficiados está o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, preso desde 2016.
Desde o início da Lava Jato, o STF sempre foi uma arena judicial na qual a operação não conseguiu reproduzir o mesmo desempenho exibido em Curitiba ou em seus braços no Rio de Janeiro e Distrito Federal. Enquanto o núcleo que atua na primeira instância já acumulou mais de 150 condenações, os casos que envolvem políticos com mandato (e foro privilegiado) avançaram lentamente na mais alta corte do país. Em cinco anos, o STF só julgou seis réus – e apenas dois foram condenados sem prescrição da pena.
No próximo dia 10 de abril, as atenções devem se voltar mais uma vez para o Supremo. Nessa data está prevista a retomada do julgamento sobre a possibilidade de que juízes determinem a execução de penas após condenações em segunda instância. Desde 2016, a autorização vem sendo mantida por uma maioria apertada de seis votos a cinco, que havia sido influenciada diretamente pela Lava Jato e sua popularidade. Uma mudança no entendimento pode impactar diretamente a execução de penas como a de Lula.
Em 2017, o STF também já havia imposto um revés para a Lava Jato quando suspendeu a possibilidade de conduções coercitivas – quando o réu é levado pela polícia para depor –, que foi um dos principais instrumentos da Lava Jato entre 2014 e 2017. Para contornar a decisão, os procuradores passaram a pedir com mais regularidade a prisão temporária de suspeitos.
Após a decisão do STF de quinta-feira, há expectativa de que os membros da força-tarefa passem a retirar crimes de caixa 2 das denúncias para manter os casos na Justiça comum. Dodge afirmou que a prioridade nos inquéritos deve passar para crimes como corrupção e lavagem de dinheiro.
Também há movimentações no plano político contra a decisão do STF. Em contraste com os últimos anos, a Lava Jato ganhou mais defensores no Congresso após a onda de renovação nas últimas eleições, marcada pela derrota de dezenas de velhos caciques políticos e a entrada de um bloco de parlamentares de extrema direita no Senado e na Câmara.
Logo após o julgamento do STF, parlamentares do PSL, o partido de Bolsonaro, e do Podemos apresentaram projetos para que o caixa 2 seja julgado pela Justiça Comum. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, também pediu apoio ao pacote anticrime apresentado por Moro em fevereiro, afirmando que o conjunto de medidas deve "sanar" o "equívoco" do STF.
Outros parlamentares reforçaram pedidos para a aprovação de propostas que revoguem a chamada "PEC da bengala", que permitiu em 2015 que os ministros do STF cumpram mandato até completarem 75 anos, contra 70 anos da regra anterior. A revogação pode permitir que Bolsonaro indique no seu atual mandato até quatro ministros, alterando de maneira significativa a composição dos 11 membros da corte.
No entanto, vários parlamentares não escondem que uma boa parte do projeto é motivada mais pelo objetivo de combater o que chamam de "ativismo" do STF em questões de costumes – como a tendência do tribunal de criminalizar a homofobia – do que de combater uma suposta leniência dos ministros em relação à corrupção.
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