Meus mestres brasileiros
18 de dezembro de 2019Caros brasileiros,
Faz dois anos que escrevo esta coluna. Desde a minha primeira publicação, "A favela como espelho da sociedade”, no dia 6 de janeiro de 2018, o Brasil mudou – e eu também. Em vez de escrever para leitores alemães, como fazia antigamente, o meu público virou brasileiro. E, como na Alemanha, os leitores também mudaram. A raiva política e a polarização da sociedade dos dois lados do oceano aumentaram.
Palavras anteriormente não usadas como "esquerdopata”, "esquerdista”, direitista e "bolsominion” apareceram. O debate político ficou mais raivoso. As ameaças contra pessoas supostamente inimigas aumentaram, assim como a violência também.
Eu também fui xingada de "esquerdista”, "colunista tosca”, "comunista”, "progressista besta”, "militante”, "petista corrupta”, e de "gringa que não entenderia isso daqui mesmo que passe décadas morando no #SudãoDoOeste”. Sugeriram para a Deutsche Welle a "demissão de jornalistas" como eu "que faltam as aulas de português" e sentiram "até pena de me ver escrevendo essas baboseiras".
Recebi conselhos assim: "Não viaja. Ouça o que ele falou antes de passar essa bobagem adiante". E outra: "um país que deixou e ainda deixa existir nazismo não tem moral pra falar dos outros”. "O Brasil não é para principiantes. Não seja você a sardinha no meio dos tubarões". E mais um, em inglês: "Se você gosta tanto do partido comunista terrorista, pegue-o e leve-o para a Alemanha".
Ao mesmo tempo recebi bastante apoio, elogios e carinho. Um leitor comentou: "Como já virou costume, para ler sobre o Brasil, procure portais de jornais estrangeiros". Outro agradeceu pela "reflexão excelente".
Confesso que esses comentários me motivam, mesmo quando não me agradam. Eles me inspiram e me aproximam do Brasil, me forçam a refletir sobre a minha própria reflexão. Eu me pergunto por exemplo qual seria a conclusão do comentário mencionado acima: "um país que deixou e ainda deixa existir nazismo não tem moral pra falar dos outros”?
Nunca mais escrever sobre nazismo? Ou, pelo contrário, escrever sobre como prevenir e combatê-lo? Nunca mais criticar a extrema direita ou esquerda ou, pelo contrário, compartilhar argumentos e conclusões de um debate que na Alemanha já dura mais de 50 anos?
Realmente, um país que votou primeiro em Lula e, anos depois, em Bolsonaro como presidente "não é para principiantes". Um país que derruba Dilma para depois ficar com um vice-presidente que tem um grau de popularidade ainda menor, é difícil de entender, assim como o estado de animo dos cariocas que em 2016 elegeram Crivella como prefeito com 60% de votos e que agora o rejeitam com 72%.
Não dá para negar: a situação política no Brasil e a crise econômica preocupam. Mas a minha admiração profunda pelo povo brasileiro continua. Em nenhum outro lugar do mundo fui tão bem recebida, senti tanto calor humano, tanto amor e tanta hospitalidade. Não há crise que possa apagar essa gratidão e esse reconhecimento.
Espero que eu possa continuar compartilhando com vocês minhas reflexões. Estou aberta para novas lições dos meus "mestres brasileiros", como aquela do morador da favela da Rocinha sobre o qual escrevi na minha primeira coluna e que disse que lá era "o melhor lugar para se morar no Rio”..
Graças a vocês, caros brasileiros, meu aprendizado com o Brasil continua. Por isso, agradeço imensamente pela sua atenção, pelo carinho e pelos comentários, reflexões, pelos elogios e pelas criticas. Só os xingamentos e palavrões ficam fora dessa lista. Desejo a todos um feliz Natal com muita paz e amor, e um fim de ano com tranquilidade e tempo para curtir a família e os amigos.
Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.
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