Mostra interativa revela mundo dos irmãos Grimm
1 de abril de 2014Desbravar de uma nova maneira um universo que há gerações vem instigando o imaginário de crianças e adultos ao redor do mundo, colocar um tempero brasileiro e transformar tudo em uma grande aventura interativa.
Parece muito? Não para os curadores de Grimm Agreste, em cartaz no Sesc Interlagos em São Paulo. A exposição desbrava o universo de 156 contos originais compilados pelos alemães pela primeira vez em 1812, criando um universo lúdico e interativo.
"A exposição trabalha com fragmentos para incluir o visitante. Ele não só entra em contato com história que conhece, ou desconhece, mas também tem a possibilidade de construir essas histórias", explica Christine Röhrig, uma das curadoras da exposição.
Röhrig foi responsável pela tradução de Contos Maravilhosos Infantis e Domésticos, dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, lançada em 2012. Para ilustrar sua versão, ela queria fugir do literal e de imagens muito realistas. A obra é ilustrada com gravuras do internacionalmente renomado artista popular J. Borges, um dos mestres da literatura de cordel.
"Foi um casamento perfeito porque essas histórias têm um parentesco secreto, elas não têm fronteiras e barreiras. Ele se identificou muito com isso. Quando o livro saiu, ficamos contentes com esse encontro, essa pororoca cultural. Decidimos fazer a exposição desse encontro tão fantástico", conta a tradutora.
Aventura interativa
Com a boa repercussão do livro, Röhrig, que tem vasta experiência no teatro, juntou uma equipe para a concepção e realização de Grimm Agreste. Da curadoria fazem parte a tradutora, a produtora Rachel Brumana, o cenógrafo William Zarella Jr. e o roteirista Alvise Camozzi.
"Essas histórias e as gravuras do Borges foram muito inspiradoras. O espaço do Sesc Interlagos, na beira da represa de Guarapiranga, é o cenário ideal porque tem floresta, lago, um viveiro de plantas. Ficamos inventando ambientes. Essa curadoria quádrupla foi muito interessante e o resultado muito abrangente", diz a curadora.
A exposição é composta por seis espaços temáticos e interativos. A Sala Prefácio apresenta uma preciosa coleção de ilustrações da época, imagens e trechos musicais que evidenciam a profunda relação de artistas com os contos. A Biblioteca conta com mais de dois mil livros em uma grande estante tridimensional, onde adultos e crianças podem ouvir diálogos entre personagens de diferentes histórias.
A Floresta é uma instalação multimídia que capta fragmentos dos 156 contos, narrados por nomes como Francisco Cuoco e Chico César. O espaço também é o lar das gravuras de J. Borges. Com tetos e paredes modulares, o ambiente busca ampliar os sentidos e criar uma metáfora de crescimento.
"Pensamos bastante nesse universo mágico, sempre brincando com essas informações e com o chamado binômio fantástico, para aproximar duas coisas diferentes com as histórias", explica Röhrig.
Na parte externa, os visitantes podem seguir a Trilha. Com 700 metros de extensão, o espaço é cheio de segredos e aventuras, com árvores mágicas, águas misteriosas, reis, princesas, seres mágicos e animais figurativos, como raposas, gansos, serpentes e pássaros falantes. Os visitantes têm que tomar cuidado com o Poço, o lugar onde sempre caem as princesas e cavaleiros desavisados.
A aventura acaba na Casa das Poções. Transformado em uma antiga drogaria, o viveiro de plantas do Sesc está repleto de atividades que dialogam com a natureza e seus benefícios, com diversos jogos, oficinas e rodas de história.
Uma nova luz em histórias clássicas
Essa aventura interativa também traz novidades para os fãs das histórias dos irmãos Grimm. A tradução de Röhrig foi a primeira feita no Brasil da versão original de Contos Maravilhosos Infantis e Domésticos, publicada em 1812.
"Enquanto traduzia, fiquei impressionada com a maldade nas histórias. No fim eu cheguei à conclusão que todas são muito apropriadas para as crianças porque elas servem de base para uma discussão. Se houver um distanciamento e um mediador, você cria juízo de valores. Tive a preocupação de manter a fluência narrativa, mas não modifiquei as histórias", explica a tradutora.
A nova versão, além de trazer contos inéditos, também traz novidades e curiosidades em relação às famosas histórias. "A Rapunzel, por exemplo, foi banida pela madrinha porque ela estava grávida. Foi a mãe da Branca de Neve que mandou matá-la, não a madrasta. Tem coisas que foram perdidas no tempo. Tentamos capturar isso também na exposição. Não queríamos continuar com essa pasteurização da história", completa.
Cordel sem versos
Responsável pela intersecção do universo dos irmãos Grimm e o imaginário nordestino do brasileiro, J. Borges é o rei da cultura popular no agreste pernambucano. Ele foi responsável pelas 43 xilografias que aproximam esses dois universos fantásticos.
"Conhecia algumas dessas histórias. Esse é o tipo de literatura que se une muito ao cordel, bem popular, bem esclarecida. A única diferença é que não tem versos", disse o artista à DW Brasil. "Já transformei Dom Quixote em cordel, agora estou esperando um projeto para transformar todas essas histórias dos irmãos Grimm em cordel", completa.
Borges passou seis meses trabalhando nas obras de Grimm Agreste, e por problemas de saúde ainda não pode conferir a exposição em São Paulo. Aos 78 anos, o artista é um dos mais celebrados da arte folclórica brasileira em todo o mundo. Sua paixão pelo cordel vem desde criança.
"Fui criado sem acesso ao cinema, jornais ou revistas. A única diversão era o cordel lido pelo meu pai, que servia como jornalismo, diversão e ensinamento. Eu me apaixonei por essa literatura. Aos 20, comecei a comprar e vender cordel. Logo comecei a escrever. No meu segundo cordel, fiz também as gravuras e fui muito bem sucedido. Estou no ramo até hoje", conta.
Em suas andanças pelo mundo. Borges esteve na Feira do Livro em Frankfurt em 1996. "Fui de Zurique para Frankfurt de trem, então eu pude ver que a Alemanha é um país muito bem estruturado. Não tem terreno baldio, é tudo plantado. É tudo muito bonito e com muito progresso. Achei a Alemanha ótima e misteriosa. Vejo muita coisa bonita, mas gosto de trabalhar com a minha região, que é muito rica de cultura popular", explica Borges
Além de uma aventura interativa e das gravuras de Borges, a exposição Grimm Agreste ainda inclui uma extensa programação com oficinas de desenho, xilografia e cordéis, teatro, espetáculos de dança, palestras, entre outras atividades.
A exposição "Grimm Agreste" está em cartaz no Sesc Interlagos em São Paulo até 31 de agosto.