Mídia européia disseca Merkel e sua "grande coalizão"
11 de outubro de 2005O jornal alemão Frankfurter Allgemeine critica a divisão de pastas dentro da inesperada coalizão entre cristão- e social-democratas: "O posto de Angela Merkel como chefe de governo sai caro para a aliança CDU/CSU. No toma-lá-dá-cá do poder, esta renuncia justamente aos ministérios em que se decide o futuro econômico do país. As grandes tarefas reformistas continuam nas mãos daqueles que fracassaram durante os últimos sete anos. [...] Merkel se arvora em chanceler de uma 'coalizão das novas possibilidades'. Isso são palavras vazias. É preciso que ela seja a chefe de um governo federal capaz de mostrar resultados imediatos no mercado de trabalho e na redução do déficit público".
O liberal austríaco Standard também questiona o otimismo de Merkel: "A experiência das democracias da Europa ocidental mostra que grandes coalizões com maiorias parlamentares fortes tendem a reforçar as margens. Caso esta 'coalizão das grandes possibilidades' fracasse, não se excluem os paralelos com os anos 60: manifestações de massa contra um 'governo das oportunidades desperdiçadas' e instabilidade política no centro da Europa".
Uma mulher como Maggie
Alguns periódicos enfatizaram a condição feminina da provável futura chefe de governo alemã, não poupando paralelos com a famigerada "Dama de Ferro" que liderou a Inglaterra na década de 80.
Para o francês Libération: "Antes de 'Angie' só houve uma como ela, e foi Maggie Thatcher. Pois, embora a causa feminina haja alcançado progressos inimagináveis no século 20, elas continuam sendo mulheres, mesmo nos países onde mais avançaram, para além das posições-chave na política. Será mero acaso o fato de Merkel – assim como Thatcher – encontrar-se mais para a direita no panorama de seu país? [...] Embora a ânsia de conciliar os opostos seja grande, não existe uma vara de condão para resolver as contradições levantadas [pelo resultado das eleições]. A grande coalizão será uma luta".
O belga Het Laatste Nieuws comentou: "A Alemanha conta cinco milhões de desempregados e Merkel nunca escondeu ser – assim como Margaret Thatcher – uma adepta de moderação nos acordos salariais, redução dos custos trabalhistas e simplicidade e rapidez na demissão de empregados. [...] Contudo, onde Thatcher contava com uma grande maioria e o apoio de seu partido, Merkel terá maiores dificuldades. Aqui e ali já se ouvem críticas de que ela haveria sacrificado excessivamente sua agenda política, em troca do posto de premier".
O conservador italiano Corriere della Sera é bem mais positivo: "É uma decisão histórica o fato de uma mulher da Alemanha Oriental assumir a liderança, e justamente num dos mais complicados e difíceis momentos da história recente. Cabe um hino de louvor à classe política do país. Após uma das campanhas mais impiedosas do pós-guerra ela fez jus a um resultado sem vencedores ou vencidos. Pondo de lado o conflito e os sentimentos de vingança pessoal, escolheu a estratégia de colaboração entre os grandes blocos partidários, como já ocorrera há 40 anos, quando a nação igualmente se encontrava numa difícil encruzilhada".
Sangrando pelo poder
Segundo o periódico francês de economia La Tribune, agora começa a parte mais difícil para a líder democrata-cristã: "Angela Merkel realizou com sucesso um duplo golpe. Ela entra para a Chancelaria Federal e afasta seu velho oponente Gerhard Schröder. [...] Esta foi a parte mais fácil. Seus correligionários e parceiros não se podem permitir um trabalho de recortes e retalhos, pois isto os recolocará inevitavelmente diante dos eleitores, dentro de seis meses ou um ano".
O suíço Basler Zeitung confirma essa visão: "O jogo de pôquer está longe do fim: Angela Merkel continuará tendo que sangrar em nome do poder. Uma chanceler debilitada à frente de uma Alemanha necessitada de reformas: não foi definitivamente isso o que os eleitores esperavam do pleito de setembro".
E a Tribune de Genève reforça: "As eleições de 18 de setembro só deixaram para os que lideram a Alemanha a escolha entre duas más soluções. A 'grande coalizão' a ser encabeçada por Merkel não é capaz de solver as dificuldades. Ela traz em si o cheiro característico desse tipo de aliança forçada pelas circunstâncias. Ela será instável, frágil e sem dúvida de curta duração. [...] Essa é a lei da coalizão: ela barra para Angela Merkel a 'virada liberal' que prometera".
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Ascensão conservadora
O conservador inglês The Times coloca duas questões: "Esta coalizão será estável e harmoniosa? E estará a Sra. Merkel em condições de impor as mudanças urgentemente necessárias a uma reforma da economia alemã? [...] Com os ministérios do Trabalho e Finanças nas mãos, o Partido Social Democrata (SPD) poderá facilmente sabotar todas as reformas propostas por Edmund Stoiber, responsável pela pasta de Economia. [...] As perspectivas para uma coalizão estável são parcas".
O dinamarquês Berlingske Tidende (igualmente conservador) deduz: "[Merkel] terá que respeitar os social-democratas. Por outro lado, os conservadores possuem uma maioria considerável no Bundesrat (câmara alta do Legislativo), pois a maior parte dos Estados têm governo conservador. No geral, a Alemanha dá mais um passo em direção ao conservadorismo, com o novo governo. [...] Só pode melhorar".
Com óbvia boa vontade, o alemão Tagesspiegel vê a coligação entre CDU/CSU e SPD numa perspectiva ampla: "Trata-se de uma cesura, um momento realmente histórico, embora o Parlamento ainda vá ter a última palavra. Angela Merkel tem a chance de tornar-se chanceler federal [...] Será difícil para ela, pois não poderá governar livremente, como desejaria. Ao invés disso, terá que mediar e integrar, para todos os lados. Ela venderá como bem-sucedida uma política que taxou de totalmente equivocada, concederá ao SPD vitórias que são suas próprias derrotas".
O periódico de Berlim conclui com uma avaliação positiva da era Gerhard Schröder: "A cesura do momento não seria completa sem a despedida de Schröder. Milhões de desempregados, dívida recorde, uma grande força à esquerda do SPD, isso é uma parte da história. A outra é a coragem para realizar reformas sociais que até então ninguém quisera iniciar. Ao assumir a liderança de um país cansado de 16 anos de Helmut Kohl, Schröder prometeu: Dois mandatos, depois acabou. E assim se deu. Não foi tudo um erro".
A primeira chanceler alemã... ou ainda não?
O belga De Morgen foi possivelmente o único jornal a não aceitar como fato definitivo a presença de Merkel à frente da Chancelaria Federal alemã, lembrando: "Merkel precisa ser eleita pelo Parlamento – no mínimo por um voto de diferença – o que teoricamente ainda pode ser um problema. O liberal FDP, até há pouco o parceiro ideal para Merkel, deu-lhe a conhecer que votará contra ela. Os verdes e o Partido de Esquerda farão o mesmo, e cabe ver quantos social-democratas não desejam Merkel como premier. [...] Numerosos parlamentares do SPD – e não só da ala de esquerda – não a consideram nem um pouco apta ao cargo de chanceler e poderão constituir uma surpresa".