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"Nem todos são capazes de produzir vacina de alta qualidade"

Frank Smith
6 de maio de 2021

Diretor do Instituto Internacional de Vacinas da Coreia do Sul diz à DW que suspensão da patentes por si só não resolverá problema de acesso a imunizantes seguros e eficazes para países em desenvolvimento.

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Mulher de máscara manipula seringa
Poucas companhias do mundo estão aptas a produzir imunizantes seguros em larga escala, diz especialista coreanoFoto: Enjoli Saunders/U.S. National Guard/ZUMA Wire/picture alliance

Cresce a pressão para que seja expandido o acesso e a produção de vacinas contra covid-19 depois de os Estados Unidos anunciarem nesta quarta-feira (05/05) que apoiariam uma proposta para suspender temporariamente as patentes de propriedade intelectual sobre a tecnologia de vacinas.

A proposta, levada originalmente à Organização Mundial do Comércio (OMC) em outubro de 2020 pela Índia e a África do Sul, afirma que permitir o acesso à tecnologia aos fabricantes de medicamentos de países mais pobres acelerará a produção de vacinas.

Os EUA haviam se oposto à proposta, argumentando que isso reprimiria a inovação. A União Europeia e o Reino Unido também se opuseram à ideia. Nesta quinta-feira, a UE declarou cautelosamente que está "pronta para avaliar" como a proposta poderia aumentar a produção global de vacinas.

O termo "nacionalismo da vacina" é usado há muito tempo para descrever como os países de mais ricos priorizam a obtenção de vacinas para suas próprias populações, enquanto os de baixa renda precisam esperar pelas doses.

Autoridades de saúde de todo o mundo alertam desde o início da pandemia que derrotar o coronavírus é uma luta global e que a imunidade coletiva só pode ser alcançada com a distribuição equitativa das vacinas.

Jerome Kim, diretor-geral do Instituto Internacional de Vacinas (IVI, na sigla em inglês) em Seul, Coreia do Sul, conversou com a DW sobre o nacionalismo da vacina, os desafios de obter vacinas contra covid-19 em todo o mundo e alcançar a imunidade de rebanho global contra o coronavírus.

O especialista afirma ser necessário muito mais do que a suspensão das patentes para que os países em desenvolvimento consigam acesso a maior quantidade de vacinas: "Eu poderia lhe dar a vacina, mas você não conseguiria produzi-la industrialmente, porque isso requer uma série de etapas para garantir que cada lote desse produto biológico seja igual ao lote anterior, de modo que a eficácia declarada seja repetida continuamente, pelo lote atual e por lotes futuros."

A briga pelas patentes de vacinas contra covid-19

DW: Por que há falta de vacinas em alguns lugares e não em outros?

Jerome Kim: É seguro se dizer que há escassez de vacinas na maioria dos países do mundo, com algumas exceções. Se as vacinas estivessem mais disponíveis, os países ao redor do mundo estariam mais adiantados em suas vacinações.

Quais são suas ressalvas sobre os interesses financeiros das empresas farmacêuticas que não estão compartilhando ou abrindo o código-fonte de sua propriedade intelectual sobre vacinas contra a covid-19?

O IVI apoia fortemente vacinas seguras e de baixo custo em todo o mundo. Mas nem todas as organizações podem fazê-las e se você for uma empresa, terá que gerar lucro. Não temos fabricantes de vacinas sem fins lucrativos realmente bem-sucedidos.

Com essas ressalvas, acho fácil dizer que devemos abrir patentes para todos. Mas a verdadeira questão, eu acho, é: seremos capazes de obter o máximo de vacinas de alta qualidade que for necessário, o mais rápido possível, se apenas abrirmos os livros sobre todas as patentes?

Mesmo se você recebesse a sequência de RNA da vacina, não ajudaria em nada para a fabricação, porque, para vacinas em particular, existe um enorme know-how. E também há a questão de como as vacinas são feitas. As da Moderna e da Pfizer possuem uma cobertura de gordura lipídica. Esse revestimento gorduroso é o segredo, e se a empresa o entregasse, a  coisa ficaria mais difícil para eles. É também o segredo de suas outras vacinas: eles não estariam apenas dando a solução do imunizante contra a covid, estariam dando as chaves para o resto.

Acho que é importante a tecnologia se difundir. Mas demora um pouco, principalmente se você estiver tratando com uma empresa que nunca fez isso antes. E vimos o que acontece se não for feito corretamente.

O senhor acha que os governos podem pressionar as empresas farmacêuticas a compartilharem tecnologia de vacinas? O custo de uma pandemia prolongada se sobrepõe aos lucros?

Do ponto de vista humanitário, é um desastre. Temos 3 milhões de mortes e, se vacinarmos apenas os países de alta renda, serão 6 milhões, de acordo com um estudo da Fundação Gates. Também sabemos que os países de alta renda estão na verdade se prejudicando por não serem mais equitativos na distribuição de vacinas. Existem outras maneiras de fazê-lo, mas precisamos ser mais inteligentes.

Esse tratado sobre pandemias que a OMS está desenvolvendo deveria ter um texto específico sobre acesso e viabilidade econômica, e também sobre a capacidade de se transferir essa tecnologia, de maneira que beneficie a saúde global e também proteja as empresas até certo ponto, porque muito disso tudo é possível exatamente por causa da inovação.

A última coisa que se quer é que uma empresa diga: "Bem, não vamos colaborar, porque você vai pegar nossa lipo-nano-partícula, que queremos usar contra o câncer, e que achamos que é um mercado de bilhões de dólares, e usar para essa vacina que está nos confiscando." Se você abrir o precedente errado, poderá realmente ter um efeito terrível em nossa resposta à próxima pandemia.

Precisamos ter a tecnologia da vacina transferida. Existem empresas na Coreia do Sul capazes de fazer vacinas de RNA. AstraZeneca e Novavax podem ser fabricadas pela SK. E há empresas na Índia e em outros lugares com autoridades regulatórias competentes que podem levar as vacinas adiante e aprová-las.

Como a capacidade de produção de vacinas em todo o mundo pode ser melhor utilizada?

Uma das coisas notáveis ​​sobre nossa reação a essa pandemia não é apenas a velocidade do desenvolvimento da vacina, mas a disposição dos desenvolvedores em distribuir a fabricação em todo o mundo.

É quase inédito grandes fabricantes de vacinas produzirem para outras companhias. E isso é importante. Empresas como a AstraZeneca estão conversando com uma empresa indiana, uma brasileira e uma coreana. Portanto, a vacina AstraZeneca está, na verdade, sendo transferida para muitos dos principais fabricantes de vacinas em todo o mundo.

Ir até empresas com um histórico conhecido de fabricação de vacinas em alta quantidade e de qualidade é algo realmente crítico, porque as vacinas são biológicas. Eu poderia lhe dar a vacina, mas você não conseguiria produzi-la industrialmente, porque isso requer uma série de etapas para garantir que cada lote deste produto biológico seja igual ao lote anterior, de modo que a eficácia declarada se repita continuamente, pelo lote atual e por lotes futuros.

E esse é um nível de qualidade realmente significativo. Nem todos estão aptos a fazer uma vacina. Você vai querer procurar uma empresa que já fez isso antes, e o SK, o Serum Institute of India e outros fabricantes de vacinas por aí já receberam a aprovação da Organização Mundial de Saúde para outras vacinas.

Muitos países gostariam de ter vacinas fabricadas dentro de suas fronteiras, e acho que é um bom objetivo no médio e longo prazo. Há muitas perguntas que devem ser feitas. Mas o mais importante é que as vacinas sejam seguras e eficazes.