"Não me deixaram votar", diz eleitor turco
23 de abril de 2017No último domingo, Serkan foi votar no referendo da Turquia e descobriu que alguém já havia votado usando seu nome. Normalmente, os eleitores turcos assinam uma lista depois de depositarem seus votos, mas quando Serkan chegou ao seu local de votação, percebeu a mesma assinatura junto a dezenas de nomes, incluindo o seu.
Quando perguntou o que havia ocorrido, os mesários disseram que um funcionário do governista Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) visitara o local de votação e usara as cédulas ainda disponíveis.
"Eles não me deixaram votar", revolta-se Serkan, que por razões de segurança prefere só revelar seu primeiro nome. "Fui votar às 13h00. A votação se encerrava às 16h00, e eles provavelmente pensaram que eu não viria, porque estudo em Istambul", comenta à DW.
Serkan deu queixa no conselho eleitoral distrital, mas até fim do dia não conseguiu mais votar. Sua acusação de fraude eleitoral é uma das milhares que mancham os resultados do referendo turco, em a maior concentração de poder da presidência do país, atualmente exercida por Recep Tayyip Erdogan, foi aprovada com margem estreita, por 51,4% dos votos entregues.
Os recursos do principal grupo da oposição na Turquia, o Partido Republicano do Povo (CHP), para anular o resultado do referendo foram rejeitados pela comissão eleitoral nacional.
Observadores obstruídos
Os resultados do referendo, que trazia uma simples escolha entre "sim" ou "não" sobre a aprovação de 18 emendas constitucionais, foram questionados por partidos oposicionistas e observadores internacionais.
A Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) aponta que a votação ocorreu sob o estado de emergência que vigora desde a tentativa de golpe de julho último, e a campanha sobre o referendo foi conduzida num "campo de jogo desigual" que favoreceu o voto no "sim".
"Não é só a eleição, é todo o processo, toda a campanha foi desequilibrada", ressalta Andrej Hunko, observador do Conselho da Europa durante o referendo. "Todas as irregularidades juntas podem ter mudado o resultado."
Hunko, que é deputado do partido A Esquerda no Parlamento alemão, afirma que foi temporariamente impedido de entrar em locais de votação duas vezes no sudeste da Turquia, apesar de convidado pelo governo para monitorar o referendo. Ele também relatou a presença de forças de segurança armadas em muitos locais de votação, o que pode ter intimidado os eleitores.
Os observadores dos partidos oposicionistas turcos também teriam tido entrada impedida ou sido removidos de certos locais de votação, de acordo com o pró-curdo Partido Democrático do Povo (HDP).
Um monitor do HDP em Sanliurfa que quis dar apenas seu primeiro nome, Nihat, informa ter visto pessoas votando abertamente, fora das áreas cobertas com cortinas, anunciando suas escolhas e insultando outros eleitores no local de votação. Quando informou aos eleitores que tal conduta violava leis eleitorais, foi agredido fisicamente.
"Eles socaram e chutaram a mim e ao meu amigo", recorda Nihat, que foi forçado a deixar o local de votação e abandonar a atividade de observação. Ao retornar mais tarde ao local, para votar, ele ainda viu eleitores votando abertamente. Até o final do dia, seu local de votação registraria 356 votos "sim" e 47 votos "não". "Deveria ter havido mais votos 'não', mas as pessoas tiveram medo de mostrar quem apoiavam, por causa das ameaças e da pressão", lamenta Nihat.
Questões de validade
Em outra zona eleitoral na zona rural de Erzurum, Newroz, também um observador do HDP, disse que nunca tinha visto "tantas irregularidades e pressão nas eleições passadas". Ele conta que antes do referendo as forças de segurança disseram aos aldeões que ficariam proibidos de pastorear seu gado se votassem "não".
Newroz acrescenta que, ao examinar os registros de voto, descobriu que um morador recém-falecido votara naquele domingo. "Muitos votaram mais de uma vez", acusa, "alguns votaram por seus familiares."
Mais incerteza foi lançada sobre o referendo quando o Supremo Conselho Eleitoral (YSK) fez uma alteração de última hora nos critérios de validade da votação. Quando a votação estava em curso no domingo, o conselho disse que aceitaria cédulas sem os selos usadas para identificar em que urnas os votos haviam sido depositados.
Sem fornecer qualquer justificativa no momento da decisão, o YSK declarou que as cédulas não seladas seriam consideradas válidas, "a menos que se prove que foram trazidas de fora da sala de votação". Posteriormente, funcionários do YSK declararam que a decisão visou garantir que os cidadãos não fossem privados de seus direitos eleitorais.
Hunko, do Conselho da Europa, informa que o número exato de cédulas não seladas contadas no referendo permanece uma incógnita, mas que seu impacto potencial é preocupante. "Eu vi um mapa de distribuição de cédulas não seladas, e a maioria vinha do sudeste. Não observamos nenhuma manipulação concreta, mas isso, é claro, abriu uma porta."