O Brasil de volta à Idade das Trevas
22 de maio de 2020Tempos de pestes sempre trouxeram um ar lunático, com todos buscando um culpado pela praga. Na Alemanha, se reúnem atualmente em praças públicas negacionistas de todas as causas, ativistas anti-vacina, da extrema direita e extrema esquerda, e juntos se manifestam contra a conspiração viral de Bill Gates e George Soros. Ainda bem que representam uma minoria. E que a Alemanha – por enquanto – tem um governo baseado na razão e na ciência, e não em likes das redes sociais ou vídeos de youtubers.
Chama a atenção o fato de que países governados por mulheres passaram com mais facilidade pela pandemia, a ver: Alemanha, Finlândia, Noruega e Nova Zelândia. A alemã Angela Merkel é física, a finlandesa Sanna Marin formada em Administração, a norueguesa Erna Solberg é sociológica, cientista política e ainda economista, enquanto a neozelandesa Jacinda Ardern é bacharel em comunicação política.
Por outro lado, os três países com mais casos de coronavírus – Estados Unidos, Rússia e Brasil – são liderados por homens de egos tão inflados que desprezam a ciência e os conselhos das vozes da razão. Magnata, Czar e Messias: todos se achando invencíveis devido a um vírus, que causaria uma "gripezinha". E estão pagando o preço da prepotência, por terem abandonado o caminho da ciência em favor de ideias obscurantistas, que misturam superstição com uma dose de pseudo-religiosidade. Minto. São os cidadãos desses países que estão pagando o preço, em milhares de mortes.
"O vírus tá aí, vamos ter de enfrentá-lo, mas enfrentar como homem, pô, não como moleque", disse o presidente do Brasil. Para isso, promoveu um dia de oração contra o vírus, medida muito superior ao isolamento social feito nos países governados por mulheres. Depois da tentativa das orações, veio o remédio milagroso, revelado pelo Messias (é óbvio que o messias deve apresentar o milagre, para justificar seu nome): a cloroquina, um medicamento sem eficácia comprovada, como o próprio presidente admite. Mas, "pior do que ser derrotado é a vergonha de não ter lutado", segundo Jair Bolsonaro. Orem e, depois, morram como heróis, bravos brasileiros!
Havia a falsa esperança (e promessa) de um governo técnico, sem ideologia. Mas na área de saúde, onde mais se precisa de liderança técnica, os ministros técnicos foram dispensados por terem feito uma gestão meramente técnica. E por não terem defendido as ideias messiânicas do presidente.
Há no mundo três líderes defendendo o uso da cloroquina:
1. O magnata Donald Trump, que, depois de aconselhar as pessoas a tomarem uma injeção de desinfetante contra o vírus, agora disse tomar cloroquina como profilaxia.
2. O maquinista de metro Nicolás Maduro, líder da Venezuela, que já disse que seu falecido tutor Hugo Chávez lhe aparece em forma de passarinho. Se tal acontecimento se realizou depois de ele ter tomado a cloroquina, não se sabe.
3. O capitão reformado Jair Messias Bolsonaro, que, como deputado, liderou o projeto para aprovar a fosfoetanolamina sintética, a chamada "pílula do câncer". O produto, ainda sem a eficácia comprovada, foi barrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O Ministério da Saúde está agora interinamente nas mãos de um general com vasta experiência em logística, mas sem experiência na área de saúde. Foi ele que, finalmente, seguiu o desejo do presidente de incluir a cloroquina e seu derivado hidroxicloroquina no protocolo de tratamento para pacientes com sintomas de coronavírus. Mesmo admitindo que não há comprovação da eficácia. Fica a dica do presidente: "Quem é de direita toma cloroquina, quem é esquerda, tubaína".
Seria cômico se não fosse trágico. Mas, para ser sincero, já estava claro desde o começo que não se podia esperar muita coisa desse governo, muito menos políticas sérias baseadas na ciência e na razão.
Há, no entanto, uma grande decepção com a ala militar do governo. Esperava-se dela segurar as loucuras da ala ideológica. Afinal, há uma longa tradição científica dos militares brasileiros. Houve uma época em que eles lideraram a marcha da modernidade, hasteando a bandeira do positivismo, do lema "Ordem e progresso". Defenderam a ideia de que o conhecimento científico deveria ser a base da sociedade e não as orações e remédios milagrosos. O Brasil voltou para a Idade das Trevas.
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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