O "efeito Francisco" na América Latina
13 de março de 2014Orações a cada hora. Cerca de 5 mil fiéis estavam reunidos na igreja mais alta da América Latina na Quarta-feira de Cinzas. Já era a segunda missa para marcar o início da Quaresma na catedral de 124 metros de altura em Maringá (PR). O arcebispo Dom Anuar Battisti e outros três padres distribuíam a comunhão em ritmo acelerado.
"Celebramos quatro missas, uma delas até mesmo ao meio-dia, e todas estavam lotadas", conta Battisti, que fala num "efeito Francisco". "Desde que o novo papa assumiu o cargo, muitos fiéis que abandonaram as comunidades evangélicas voltaram para a Igreja Católica."
A América Latina sente esse "efeito Francisco": as igrejas estão cheias, a devoção popular floresce e a Teologia da Libertação comemora um retorno feliz. "O papa Francisco deu à Igreja de Roma um novo rosto latino-americano", diz Dom Anuar Battisti. "Mundialmente, a instituição da Igreja não tinha mais quase nenhum brilho, agora ela é novamente viva e dinâmica."
Otimismo bem-vindo
Segundo Leonardo Boff, desde a eleição de Francisco como papa, o clima mudou: padres e bispos ficaram mais abertos e tolerantes. "Antes, o clima era sombrio, a Igreja era vista como um pesadelo. Agora prevalecem o alívio e a felicidade", opina o teólogo da libertação, a quem o Vaticano impôs uma proibição de lecionar em 1992.
A nova euforia em torno do catolicismo pode ser útil para a América Latina, que tem grave escassez de sacerdotes. Entre 2000 e 2010, milhões de fiéis deixaram a Igreja Católica e juntaram-se aos evangélicos. O papa Francisco parece começar a dar um fim a essa tendência negativa.
O motivo para o otimismo católico é o sentimento de proximidade ao Vaticano e o debate novamente permitido sobre reformas dentro da Igreja Católica. O papa argentino parece se engajar por pedidos da região há muito pendentes, como, por exemplo, a canonização do fundador de São Paulo, o padre José Anchieta, que veio para o Brasil como missionário em 1553.
Na lista dos mártires latino-americanos, também está o ex-arcebispo de São Salvador Oscar Romero, que em 1980 foi assassinado durante uma missa por um esquadrão da morte de orientação de extrema direita. "Eu acredito que Romero será canonizado em breve, porque o papa Francisco o admirava muito", declarou recentemente o bispo auxiliar de São Salvador, Gregorio Rosa Chávez.
No Vaticano, aumenta não somente o número de latino-americanos, antes pouco representados, mas também o número de teólogos da libertação. As agências humanitárias católicas estão entusiasmadas com esse desenvolvimento. "Li o texto apostólico Evangelii Gaudium, ali despertam novamente sonhos da Teologia da Libertação", diz Pirmin Spiegel, diretor da organização católica de ajuda humanitária Misereor, de Aachen. "Nós da Misereor nos sentimos fortalecidos no nosso trabalho."
Política de pessoal habilidosa
Um proeminente representante da América Latina é o arcebispo hondurenho Óscar Rodríguez Maradiaga. Pouco depois de sua eleição, o papa Francisco o chamou para coordenar a comissão de oito cardeais que deverá assessorar o Vaticano na direção da Igreja Católica e sobre futuras reformas. Para ser seu secretário particular, Francisco convocou um colaborador próximo de sua cidade natal, Buenos Aires: o argentino Fabian Pedacchio Leaniz, especialista em direito canônico.
Também a organização do sínodo extraordinário para discutir o tema família, a ser realizado em outubro em Roma, está em mãos latino-americanas. Entre os coordenadores está o cardeal Raymundo Damasceno Assis, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
Por trás do tópico aparentemente inócuo da "família" está um barril de pólvora católico, ou seja, o debate sobre a moralidade sexual da Igreja. Uma pesquisa encomendada pelo papa Francisco dentro da Igreja Católica, no fim do ano passado, mostrou a necessidade urgente de ação. Segundo o resultado da pesquisa, a maioria dos católicos considera os preceitos do Vaticano contrários à vida, dizendo não segui-los.
Questão premente
Não somente na América Latina, mas em todo o mundo, o tratamento dado a pessoas divorciadas que se casaram novamente é motivo de incompreensão e insatisfação. De acordo com a doutrina católica, o casamento é um sacramento indissolúvel, por esse motivo, o grupo dos divorciados novamente casados foi, até agora, excluído de todos os sacramentos.
Em entrevista à DW, o cardeal Maradiaga admitiu recentemente que esse seria um tema que ocuparia bastante o papa Francisco. "Estou certo que haverá progressos no sínodo", disse. A Igreja, afirma, não pode simplesmente ater-se a soluções do século passado. "Naquela época, muitos dos nossos problemas atuais não eram nem conhecidos. A situação das famílias mudou completamente. Devemos seguir o Evangelho, mas de forma contemporânea."
O bispo Anuar Battisti está apostando que o sínodo da família será o início de um grande pacote de reformas da Igreja, através do qual serão dados avanços com vista à resolução de problemas estruturais, como a falta de sacerdotes e o fortalecimento do papel da mulher e dos leigos dentro da Igreja. "Esperamos que Francisco finalmente ponha em prática essas reformas", diz Battisti. "Queremos respostas concretas para as famílias, para nós isso é mais importante que a solução dos problemas econômicos no Vaticano."