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Europa em crise

19 de maio de 2010

Postura unilateral alemã de proibir vendas de ativos a descoberto desestabiliza mercados financeiros. Euro tem maior baixa dos últimos quatro anos. Merkel prevê que crise pode levar a desmantelamento da União Europeia.

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Angela Merkel alerta para gravidade da situaçãoFoto: picture alliance/dpa

As bolsas europeias iniciaram o dia em baixa, depois da surpreendente proibição, por parte do governo alemão, da venda a descoberto de ações de dez grandes instituições financeiras e de títulos de países do euro já a partir desta quarta-feira (19/05).

Instituições de crédito de todo o mundo criticaram a decisão da Alemanha de proibir "apostas" de alto risco nas bolsas, considerando a postura de Berlim um "ato de desespero" e uma manobra para desviar a atenção das dívidas dramáticas que assolam os países da zona do euro. A moeda comum europeia registrou a maior baixa dos últimos quatro anos, com um euro cotado a menos de 1,22 dólar.

A chanceler federal alemã, Angela Merkel, defendeu perante o Parlamento na manhã desta quarta-feira o passo drástico dado pelo governo, argumentando que nas áreas em que uma postura unilateral da Alemanha "não causa nenhum dano", o governo deverá continuar agindo assim, de forma independente, caso necessário.

Proibição imediata

A proibição das "vendas vazias" de ações em queda irá se perpetuar até que, no nível europeu, sejam estabelecidas novas diretrizes, salientou Merkel. Segundo o Departamento Federal de Controle sobre Serviços Financeiros (BaFin), a proibição deve vigorar, inicialmente, até 31 de março de 2011.

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Euro: crise abala estabilidade da UEFoto: bilderbox

Já de imediato, foram proibidas vendas especulativas a descoberto das ações de grandes instituições financeiras alemãs – entre elas Allianz, Commerzbank e Deutsche Bank –, bem como para credit default swaps (CDS) sobre títulos dos países da zona do euro.

Nas "vendas vazias", os investidores, que apostam em ações em queda, vendem ativos já com o intuito de comprá-los posteriormente com uma cotação mais baixa para, assim, gerarem altos lucros. Nas "vendas vazias cobertas", os investidores pegam emprestadas as ações a serem posteriormente vendidas; no caso das "vendas vazias a descoberto", os investidores vendem ações sem nem ao menos terem pego as mesmas emprestado anteriormente. Tais vendas especulativas a descoberto podem causar sérias oscilações nas bolsas.

Imposto financeiro internacional

No auge da crise financeira, no segundo semestre de 2008, vários órgãos de fiscalização dos mercados financeiros haviam proibido tais vendas a descoberto. Na Alemanha, essa proibição expirou em fevereiro último, após vigorar por um ano e meio.

As preocupações dos mercados financeiros em relação a um possível acirramento da postura do governo alemão frente ao mercado financeiro causou baixas no mercado de ações do país. Além da proibição, a Alemanha pretende ainda implementar um imposto internacional sobre transações financeiras, a contragosto dos agentes de mercado.

"Ato de desespero"

Merkel assegurou em discurso perante o Parlamento que irá fazer de tudo para que a Europa defenda uma posição coesa a este respeito no próximo encontro do G20, a ser realizado em fins de junho próximo. Segundo a chanceler federal, se não houver um consenso internacional a esse respeito, o assunto será debatido ao menos na Europa.

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Pronunciamento de Merkel no Parlamento: mensagem para o exteriorFoto: picture-alliance / dpa

A instituição de crédito Metzler, de Frankfurt, denomina as medidas tomas pelo governo alemão de "ato de desespero". Segundo um especialista da Metzler, "o que piora ainda mais a situação é o fato de que a Europa, como antes, não tem uma só voz, o que fica claro com a postura unilateral da Alemanha agora". Manoj Ladwa, da ETX Capital, define a decisão do governo alemão como uma "reação de reflexo", que pode levar os mercados financeiros a "uma espiral para baixo".

Evasão de capital

Especialistas das instituições de crédito afirmam que a postura do governo deixa os investidores inseguros, causando uma evasão de capital dos países da zona do euro. Até o Commerzbank, cujo maior acionista é o próprio Estado, criticou a postura do governo alemão. Segundo representantes do banco, a crise financeira na Europa pode piorar ainda mais, já que os políticos causam a impressão de que querem forçar o mercado a seguir em determinada direção.

Já Karl-Heinz Boos, presidente da Confederação Alemã de Bancos Públicos, aplaudiu a decisão de Berlim: "Mesmo quando medidas nacionais só podem surtir efeitos limitados, acho correto que a Alemanha tome a frente dentro da União Europeia", afirmou Boos.

Prova de fogo

Em seu discurso perante o Parlamento, Merkel alertou ainda para o fato de que a crise do euro pode levar a um desmantelamento da União Europeia. "A união monetária é uma comunidade guiada pelo destino. Não se trata aí de nada mais além da preservação da ideia europeia", afirmou a premiê. Segundo ela, a Europa está passando pela maior prova de fogo dos últimos 50 anos.

Merkel salientou ainda a importância do Pacto de Estabilidade da UE, cujo afrouxamento, há alguns anos (quando a Alemanha era governada por social-democratas e verdes), teria sido "um erro". Nas palavras da premiê, a Europa precisa de "uma cultura da estabilidade", o que só seria viável se as finanças públicas dos países da UE fossem realmente saneadas. "O euro está em perigo", alertou a chefe de governo.

Segundo Merkel, aí está "a raiz do problema" atual, pois muitos países europeus acabaram esbanjando mais do que poderiam. "'Até nós, alemães, não estamos endividados desde ontem, mas acumulamos dívidas há mais de 40 anos", lembrou.

Pacote europeu de salvação

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Frank-Walter Steinmeier: social-democratas indecisosFoto: AP

O líder da oposição ao governo Merkel, o social-democrata Frank-Walter Steinmeier, defende um "sim" de Berlim frente a um controle mais acirrado dos mercados financeiros. Em sua réplica ao pronunciamento de Merkel no Parlamento, Steinmeier citou medidas a serem tomadas, como o cerceamento do fundos de hedge, a proibição de produtos financeiros nocivos e um controle maior das agências de rating.

O social-democrata não deixou claro se seu partido irá aprovar o pacote financeiro de 750 bilhões de euros para estabilizar a moeda única europeia, cuja votação nas câmaras alta e baixa do Bundestag será na próxima sexta-feira (21/05). Além dos partidos que formam a coalizão de governo (CDU e FDP), os verdes já anunciaram que irão aprovar o pacote. A Esquerda é contra e os social-democratas ainda se mantêm indecisos.

A Alemanha deverá contribuir com 123 bilhões de euros para o pacote, mas este montante pode subir para 148 bilhões de euros se outros países da zona euro não puderem contribuir, devido às suas próprias dificuldades financeiras.

SV/rtr/afp/dpa

Revisão: Roselaine Wandscheer