O imaginário da globalização
28 de abril de 2006Para a maior parte das pessoas do mundo, a globalização não passa de uma miragem, longe de ser realidade: esta é a tese do economista francês Daniel Cohen.
Por um lado, os países ricos se confrontariam com outras sociedades sobretudo através da televisão e de férias exóticas, enquanto os países pobres seriam bombardeados com imagens de uma riqueza de que não dispõem.
Em Mondialisation et ses ennemis (2004), Cohen argumenta que a globalização de hoje, na verdade, é imóvel. Afinal, os imigrantes perfazem atualmente apenas 3% da população mundial, enquanto em 1913 este índice era de 10%.
O mal necessário
Mesmo assim, a imagem da globalização que se cristaliza na opinião pública alemã é fortemente vinculada ao temor de deslocamentos drásticos e da ameaça de uma mobilidade descontrolada.
O discurso político europeu tenta propagar que a única saída para problemas econômicos crônicos da União Européia seria se adaptar com maior flexibilidade aos desafios da globalização. Mesmo assim, os países-membros tendem nitidamente para o nacionalismo econômico, bloqueando estratégias de liberalização até dentro da comunidade.
Em um recente simpósio sobre empresa, Estado e globalização, realizado em Berlim, o historiador Gerald Feldman defendeu a elaboração de um cronograma europeu para a solução de problemas como desemprego e imigração. A abordagem da imigração como um problema marca um debate público que voltou a se inflamar há alguns meses com o temor de um "choque de civilizações" entre Ocidente e o mundo islâmico.
Alemães-alemães em extinção
Na Alemanha, esta discussão culminou em visões apocalípticas sobre o futuro da sociedade, teoricamente ameaçada pela baixa taxa de natalidade da população puramente alemã e o crescimento das famílias imigradas.
No livro recém-publicado Minimum – Vom Vergehen und Neuentstehen unserer Gemeinschaft (Minimum – Do Desaparecimento e Ressurgimento da nossa Comunidade), o jornalista e editor-chefe do Frankfurter Allgemeine Zeitung, Frank Schirrmacher, esboçou o futuro de uma sociedade em as pessoas terão poucos ou nenhum parente de sangue, em decorrência do envelhecimento demográfico e dos múltiplos efeitos da globalização.
A tese do jornalista recebeu críticas por promover visões sensacionalistas hostis a uma sociedade multicultural, mas veio a calhar para a política restritiva de imigração e o programa coercivo de integração do governo democrata-cristão e social-democrata em Berlim.
"Em 2010 haverá tantos estrangeiros quanto jovens alemães": este o título de uma entrevista da subsecretária de Estado Maria Böhmer, encarregada do governo federal para assuntos de integração, ao jornal popular Bild.
A democrata-cristã prevê que, daqui a quatro anos, o índice de pessoas com menos de 40 anos provindas "de um contexto de migração", em grande parte sem qualificação profissional, chegará a 50% nas cidades grandes. A projeção deste cenário como fracasso da sociedade multicultural desencadeou inúmeras críticas na imprensa alemã.
Estado nacional, não social
O temor de que as identidades locais se dissolvam em decorrência da globalização levou a uma nova defesa e legitimação do Estado nacional. Para o sociólogo Ralf Dahrendorf, defensor do liberalismo político, a atual "moda" de minimizar a importância do Estado nacional diante da formação de blocos econômicos regionais e de instituições globais é errônea e até perigosa.
"Apesar da contínua busca de novas identidades – européias, latino-americanas e outras – e apesar das várias referências a uma nova cidadania mundial ou até uma 'sociedade global de cidadãos', a maioria das pessoas se sente em casa em seu país, num Estado nacional a que eles pertencem como cidadãos", afirmou o sociólogo em artigo publicado no diário conservador Die Welt.
Tradições políticas extra-nacionais, como o Estado social europeu, estão sendo questionadas como construção. Num recente simpósio sobre globalização e cultura social, o teórico de cultura econômica Joachim Zweynert argumentou que uma cultura social comum da Europa seria apenas uma reação à crise em que se encontra o continente: "Toda discussão sobre um modelo social europeu é uma mera tentativa das elites de encontrar sustentação diante dos desafios da globalização".
O 3º Mundo não é longe daqui?
O temor da dissociação das fronteiras nacionais, culturais e étnicas vem acompanhado da apreensão por uma possível globalização do terceiro-mundismo. Para o sociólogo e historiador Reinhart Koessler, o subdesenvolvimento já perdeu o vínculo territorial e deixou de ser privilégio do Terceiro Mundo.
"Os excluídos, discriminados e abandonados das inner cities da América do Norte e dos banlieues de Paris – assim como aqueles que vivem nas amplas regiões da África, América Latina e Sudeste Asiático desvinculadas do mercado mundial – são confrontados com uma realidade impiedosa semelhante: quem depende – para sua sobrevivência – de ser inserido no contexto de aproveitamento capitalista está em desvantagem se não conseguir realizar a exploração de sua própria mão de obra", afirmou o sociólogo em artigo publicado no diário berlinense taz.
Comparações do gênero dão a pensar por sua falta de parâmetros reais. E talvez corroborem a opinião de Daniel Cohen de que, nos países ricos, a globalização é – de fato – sobretudo imaginária.