"A educação é o único instrumento capaz de mudar o mundo."
É seguro assumir que hoje em dia, pelo menos alguma vez, todos já tenham lido e muitos já tenham dito a frase acima, ou no formato exposto ou com alguns de seus famosos sinônimos.
Estou há sete anos à frente de uma ação social de educação e fico muito confuso. A razão é que, de um lado, todos dizem que a educação é importante, que sem ela não somos ninguém e que só através dela podemos construir um Brasil melhor e mais justo. No entanto, fico muito desapontado com o imenso abismo entre todos esses lindos discursos e ações concretas e sólidas de valorização desse tão famoso e popular instrumento de mudanças.
Penso que esse abismo está cada vez maior. Hoje em dia, em grande parte graças às redes sociais, estamos ganhando a sensação de que somos grandes ativistas e, melhor ainda, de várias pautas.
A metodologia padrão é a seguinte: um caso de racismo ganha a atenção da mídia. Logo está nos trending topics do twitter. O próximo passo é a mobilização da comunidade das redes sociais, anônimos e famosos, e alguns casos chegam até a ganhar a atenção de campanhas e artes para serem compartilhadas.
No público, o senso de ativismo está no pico, e alguns até se emocionam. No entanto, às vezes tão rápido quanto começou, o caso é declarado como encerrado, e a nova sensação no público é: "Ufa. Sou antirracista e fiz minha parte. Racistas não passarão."
Logo depois, a mobilização caminha para outras pautas, e a educação por vezes será o alvo.
Não tenho condições de julgar a validade das intenções da grande massa de pessoas que fazem parte do ativismo virtual. Na verdade, não duvido que a maioria tenha o coração no lugar certo e que genuinamente se preocupa com a educação, com o meio ambiente, com a saúde, com as minorias e com todas as outras importantes agendas.
No entanto, esse ativismo on-line me traz duas preocupações.
Falsa sensação de resolução dos problemas
A primeira é que se cria uma falsa sensação de êxito no combate às questões que devem ser combatidas. Por exemplo: surge na mídia a história de um jovem da rede pública, filho de mãe doméstica e pai pedreiro, que foi aprovado em 15 universidades do exterior. Uma galera vai compartilhar a notícia com legendas como "Meu coração fica quentinho com notícias como essa" e "Viva a educação pública e de qualidade".
Mas estamos mesmo em um cenário de universalização da inclusão? Esse jovem representa mesmo o jovem padrão da rede pública?
O problema é que boa parte da mobilização on-line é pautada na ponta da ponta do iceberg dos problemas e questões. Assim, naturalmente, as reais questões são poucas vezes sequer levantadas. Isso, na minha opinião, corrobora para aumentar o gap entre os discursos e as ações. Por duas razões: nós, seres humanos, especialmente hoje em dia, tendemos a acreditar que tudo pode ser resolvido on-line. Além disso, estamos nos distanciando das reais questões e problemas sociais, especialmente da educação.
A segunda preocupação nasce como consequência da primeira. Nesse cenário, instaura-se uma percepção de que muitos problemas estão sendo encaminhados e até mesmo que alguns já foram resolvidos, e isso não é verdade. Com essa falsa percepção, possíveis reais e sólidas mobilizações perdem força, e o resultado é a manutenção de questões urgentes, como a desigualdade.
Não basta esperar por mudanças
Uma coisa eu sei: já não basta apenas torcer por um Brasil melhor. Já não basta apenas se mobilizar nas redes sociais. Também já não é suficiente esperar por mudanças. Não quero romantizar nada nem entrar no discurso de colocar o peso das transformações na população e isentar o Estado e o governo. Eles têm, sim, responsabilidade e deveres.
Você, leitor, pode discordar de mim, mas acredito que nós, enquanto cidadãos, temos também responsabilidade na construção do mundo melhor que tanto dizemos almejar.
Uma coisa é certa: não chegaremos lá apenas nos mobilizando nas redes sociais. Simplesmente não será possível.
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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1.
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.