O que significa o "não" no referendo na Holanda?
7 de abril de 2016Os efeitos práticos do referendo sobre o acordo de associação entre a União Europeia (UE) e a Ucrânia deverão ser muito limitados. Em primeiro lugar, trata-se de um referendo meramente consultativo, ou seja, o governo da Holanda pode simplesmente ignorar o resultado.
Porém, o primeiro-ministro Mark Rutte já disse que isso não deve acontecer. "Se a participação é superior a 30%, com essa grande vitória para o 'não', você não pode simplesmente seguir adiante e ratificar o acordo", declarou Rutte, logo depois de o resultado ser conhecido.
Acordo misto
Para entender o que a Holanda pode, então, fazer, é necessário compreender primeiro a natureza do acordo. Trata-se de um acordo misto, assinado pela Ucrânia, pela União Europeia e por todos os 28 países-membros. Para entrar em vigor, ele deve ser ratificado por todas as 30 partes. A Holanda é o único país-membro que ainda não o fez, apesar de o acordo já ter sido aprovado pelas duas câmaras do Parlamento.
O acordo é "misto" por ter partes que se referem às competências da União Europeia – o comércio, por exemplo – e outras que se referem às competências dos países-membros – o combate ao terrorismo, por exemplo. As competências europeias já estão em vigor, ainda que em caráter provisório.
Assim, uma possibilidade seria alterar o acordo para que a Holanda não ficasse sujeita às atribuições dos países-membros. Uma maneira de fazer isso seria, por exemplo, excluir a Holanda das obrigações das partes contratantes. Isso iria, aliás, ao encontro da questão do referendo, que se refere exclusivamente a essa parte.
Como a maior parte do acordo se refere às competências da União Europeia, a exclusão da Holanda das competências dos países-membros não teria grandes efeitos práticos.
Resta, porém, a posição da Holanda dentro do Conselho Europeu, que, junto com o Parlamento Europeu, responde pela União Europeia como parte contratante. O Parlamento Europeu já aprovou o acordo. O Conselho ainda não, e todos os 28 membros – incluindo, é claro, a Holanda – devem concordar com os termos do acordo e podem exercer seu poder de veto.
Cenário mais provável
Nesse ponto, vale novamente lembrar que o referendo abrange apenas o acordo da UE com a Ucrânia como aprovado pelo Parlamento holandês, ou seja, refere-se apenas às competências da Holanda no acordo, como parte contratante. Ou seja, os holandeses não se manifestaram sobre as competências exclusivas da União Europeia, e assim o governo holandês não teria nenhuma obrigação de vetar o acordo dentro do Conselho Europeu.
Porém, pode fazê-lo. Nesse caso, a situação ficaria complicada, pois uma mudança nos termos do acordo que se referem às competências da UE levaria o processo de ratificação de volta para o início, já que todas as partes contratantes, incluindo os 28 países-membros, teriam que, mais uma vez, ratificar o acordo alterado.
Um veto holandês dentro do Conselho Europeu seria também uma decisão "muito cínica", afirma o especialistas em direito europeu Peter Van Elsuwege, da Universidade de Ghent. "Um (hipotético) veto não seria uma vitória da democracia, como afirmam os iniciadores holandeses do referendo, mas o contrário. Permitir que uma pequena parte da população de um país-membro relativamente pequeno bloqueie a entrada em vigor de um acordo aprovado pelo parlamentos nacionais de 29 países e pelo Parlamento Europeu seria muito cínico", afirmou, em uma análise sobre o referendo publicada no seu blog.
Assim, o cenário mais provável é que o governo holandês leve em conta o resultado do referendo e peça algumas exceções ou alterações exclusivas para a Holanda nas partes do acordo que se referem exclusivamente às competências dos países-membros.