O duelo entre o extravagante bilionário e proprietário da plataforma X (antigo Twitter), Elon Musk, e o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, é puro entretenimento. Musk quer reativar as contas de usuários do X que haviam sido bloqueadas pela Justiça brasileira. Ele acusa Moraes de ser um "ditador" que reprime a liberdade de expressão. Ele até sugeriu que Moraes deveria sofrer um impeachment. Moraes, por sua vez, iniciou uma investigação contra Musk.
Isso mostra mais uma vez como o X/Twitter é perfeitamente projetado para acirrar os ânimos. Musk até mesmo arrastou o presidente Lula para essa briga na lama. Moraes mantém Lula "em uma coleira", escreveu ele. Ele também compartilhou postagens do campo da direita em que se fala sobre um suposto fim da democracia brasileira. Musk aparentemente está sob a influência tóxica dos seguidores de Bolsonaro. E, além disso, tem maus modos. No entanto, ele também sabe que a polêmica traz bastante atenção para sua plataforma, que recentemente andava cambaleante.
A proeminente disputa também desencadeia os habituais reflexos belicosos, tanto entre seguidores da direita como da esquerda. A direita festeja Musk como "herói brasileiro da liberdade" (Rodrigo Constantino) e "esperança no meio da ditadura imposta aos brasileiros" (Cristina Graeml). E o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, que está juridicamente encurralado considera Musk um "apoio de fora do Brasil muito forte".
Da esquerda, vem a indignação habitual quando alguém do exterior, especialmente um multimilionário, interfere nos assuntos brasileiros. Depois, a coisa rapidamente descamba para o ufanismo. O ex-ministro da Justiça Eduardo Cardozo reclamou, dizendo que um bilionário estrangeiro agride a soberania brasileira e recebe os aplausos de supostos patriotas no Brasil. Outros críticos também argumentaram apelando para a "carta do estrangeiro". Comentários como o de que Musk está tratando o Brasil como uma "republiqueta de bananas" atestam aquela irritabilidade que aflora sempre diante de uma crítica vinda de fora.
Repúblicas de bananas
Embora nesse ponto deva ser dito a favor de Musk que alguns países latino-americanos realmente são repúblicas de bananas. Portanto, certamente aplaudiríamos se Musk desafiasse as ordens do Judiciário da Nicarágua ou da Venezuela para bloquear contas de usuários de membros da oposição. Questionar a soberania desses regimes seria, de fato, um ato heroico de liberdade. Não seria?
Portanto, o problema aqui parece ser o fato de Musk aparentemente não saber que o sistema judiciário do Brasil não é comparável ao da Nicarágua ou da Venezuela. Como, além de seu trabalho como chefe da X, ele tem que desenvolver foguetes e carros elétricos, ele obviamente não tem tempo para se ocupar mais atentamente com os déficits democráticos da região.
Especialmente porque ele claramente não está interessado nos déficits democráticos em outras regiões. O comentarista da GloboNews Guga Chacra chegou a chamar Musk de "babaca" e "hipócrita" porque ele, apesar de criticar Moraes, não tem problemas com as ditaduras da Arábia Saudita e da China. Com isso, ele levanta um ponto interessante: se Musk está realmente preocupado com o princípio da liberdade de expressão, como afirma, por que ele faz negócios com ditaduras, especialmente aquelas que bloqueiam sua plataforma X?
O jornalista americano Glenn Greenwald argumenta, com razão, que todo mundo sabe que a China e a Arábia Saudita não são democracias. E que esses países não se veem como tal. Ao contrário do Brasil, que afirma ser uma democracia e um Estado constitucional. O fato de Musk aparentemente preferir encerrar suas atividades X no Brasil ao se curvar à suposta censura de Moraes é um direito dele. Teremos que esperar para ver se Musk realmente cumprirá essa ameaça!
O protagonismo do STF
Surpreso fiquei eu ao ver que o próprio Alexandre de Moraes tem uma conta no X. Em geral, acho problemático que ministros do Supremo se tornem cada vez mais presentes na mídia e, assim, também se exponham a ataques. Desde os julgamentos do Mensalão, as polêmicas em torno da Lava Jato, o impeachment de Dilma Rousseff, a prisão de Lula e a subsequente anulação de seus julgamentos, algumas pessoas têm a impressão, não sem razão, de que o Brasil está sendo cada vez mais governado pelo STF.
Isso também se deve ao fato de o Congresso estar inativo. O Brasil precisaria urgentemente de uma regulamentação moderna para as plataformas digitais. Isso é difícil, como vemos na UE. Mas é preciso deixar claro onde estão os limites da liberdade de expressão no mundo digital. Enquanto isso não for regulamentado, continuaremos a ver Alexandre de Moraes no centro dos acontecimentos.
Moraes está há muito tempo no centro da polarização política no Brasil. É importante lembrar que a esquerda, sobretudo o PT, rotulou o então ministro da Justiça em 2016 de "golpista" e "ministro faccioso" e o acusou de ter recebido milhões em subornos. Em 2017, o PT se opôs veementemente à nomeação de Moraes para o STF.
Assim que Moraes, a partir de 2019, se antepõe ao clã Bolsonaro, ele se torna herói de seus antigos críticos de esquerda. Desde então, foi envolvido em uma aura de "justiceiro". Moraes vem enfrentando há anos sozinho – na percepção geral, pelo menos – o clã Bolsonaro e seus exércitos de trolls. E – na percepção geral – salvou sozinho a democracia do Brasil durante a turbulenta fase de transição de Bolsonaro para Lula. Esse foco em um único juiz não é saudável para uma democracia.
Será que ele em breve vai querer que Elon Musk seja caçado por um mandado de prisão internacional? Por mais que eu entenda que as fake news são contra o espírito da democracia e que a difamações disseminadas pela internet também agridem as leis – o ímpeto autoritário de proibir tudo não pode ser o último recurso em uma democracia. Especialmente porque isso favorece a narrativa que quer transformar em mártires valentões políticos de direita.
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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