A Venezuela presenciou uma mudança democrática normal, uma vitória da Constituição e da democracia. Que estas palavras tenham sido ditas pelo derrotado de uma eleição não é algo evidente na América Latina. A Argentina, por exemplo, atualmente se indispõe com uma má perdedora. E após a retórica marcial durante a campanha eleitoral, não era esperado que justamente o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, fosse aceitar a derrota tão facilmente.
Mas até os vencedores celebram de forma contida. "Humildade, serenidade, maturidade", twittou repetidamente o líder da oposição, Henrique Capriles. Lilian Tintori, esposa do oposicionista preso Leopoldo López, e o secretário-geral da coalizão Mesa da Unidade Democrática (MUD) pediram por "paz e reconciliação" e falaram explicitamente de uma "Venezuela para todos".
A vitória esmagadora da oposição conservadora não é nenhum motivo para triunfo, assim como a amarga derrota dos socialistas não é razão para o ódio. Se este primeiro resultado das eleições parlamentares se mantiver, já será uma conquista política.
A atual oposição obteve uma maioria convincente dos votos, mas esta eleição foi também um pleito de protesto. Muitos dos eleitores podem ter expressado muito mais seu descontentamento com o governo de Maduro do que uma aprovação ao programa mais do que vago da aliança de oposição.
Mas o desespero com o catastrófico desabastecimento e a inflação recorde obviamente foram maiores do que o medo de cortes nos programas sociais. Este voto de confiança adiantado precisa agora ser justificado pelos membros da aliança MUD.
Independente de a nova maioria no Parlamento venezuelano ser suficiente para um processo de impeachment contra o presidente ou apenas para restringir severamente seus poderes, começa na Venezuela, assim como na Argentina, um período de coabitação, apenas sob signos opostos. Maduro está eleito até 2019. E derrubá-lo é provavelmente mais difícil do que vencer as eleições parlamentares.
Seja na elaboração de estruturas econômicas viáveis, seja no fortalecimento das instituições completamente dominadas pelo governo, a aliança da oposição faria bem em buscar consenso em ambos. Maduro, por sua vez, poderia recuperar o terreno perdido pelo partido socialista se mantiver o tom estadista proferido após a derrota eleitoral e eventualmente até concordar com a libertação de presos políticos.
Os eleitores deixaram claro que não querem mais encenações políticas, mas o fim da polarização. Nesta mudança, a Venezuela precisa de segurança e estabilidade, do fim da corrupção, da confiança nas instituições e de uma rápida melhora da situação econômica.
Tarefa hercúlea que não pode ser executada em um ambiente político hostil. Mas, caso a Venezuela consiga, caso a Venezuela encontre uma verdadeira convivência democrática após esta eleição, ela enviará um sinal bastante forte: a América Latina voltará então a ser uma região de esperança.
A jornalista Uta Thofern é chefe do departamento América Latina da Deutsche Welle.