Venezuela e a versatilidade da não ingerência
6 de dezembro de 2015O governo venezuelano voltou a taxar de "intervencionistas" os pedidos internacionais para que as eleições parlamentares deste domingo (06/12) ocorram de forma transparente e pacífica. A cúpula chavista aprovou a visita de emissários da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) para "acompanharem" o processo de votação, mas eles não têm dito muitas coisas sobre uma campanha eleitoral marcada por acusações de oportunismo e violência política.
Poucos oposicionistas esperavam algo diferente. E, apegando-se à doutrina que lhes inibe interferir nos assuntos internos de seus vizinhos, tanto a Unasul como o Mercosul se abstiveram durante anos das críticas às práticas antidemocráticas do ex-presidente Hugo Chávez (1999-2013) e de seu sucessor, Nicolás Maduro. A última vez que se pronunciaram enfaticamente sobre atrocidades similares foi em 2012, após o golpe de Estado no Paraguai.
Antes disso, condenaram com a mesma dureza o golpe em Honduras, em 28 de junho de 2009. Como explicar a discrição com que os líderes latino-americanos invocam o princípio da não intervenção? Por que se solidarizam com homólogos afastados inconstitucionalmente de seus cargos, mas se recusam a agir quando um dos seus rompe com as regras do jogo democrático?
Executivos blindados
A resposta é por temer que eles próprios possam vir a ser alvos de intenções golpistas ou de censura. Essa é a tese da analista da Fundação de Ciência e Política, Claudia Zilla, e do professor emérito da Universidade de Oldenburg, Fernando Mires. Segundo eles, na América Latina, as rupturas da ordem constitucional não são punidas em nome da democracia, mas na defesa exclusiva do Poder Executivo.
Mariana Llanos, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), concorda com o argumento, acrescentando que a tendência dos governos de zelar mais por seus interesses do que pela integridade institucional de seus vizinhos é manifestada por meio de ação ou omissão. "O ato de permanecer em silêncio, como tem sido feito frente aos ataques contra a democracia na Venezuela, é uma posição escolhida conscientemente", afirma Llanos.
Podemos afirmar então que os chefes de Estado e de governo latino-americanos têm se blindado juridicamente, a nível nacional e regional, para evitar que sejam responsabilizados por suas gestões? Afinal, fora a virtual consagração do princípio de não ingerência, a predominância de sistemas hiperpresidencialistas no subcontinente parece resguardá-los bem.
Ética e vontade política
E se este é o caso, não seria saudável para o Estado de direito retirar os poderes dos mandatários e concedê-los aos legisladores? "Não creio que os problemas citados se solucionem por meio de engenharia política, emendando detalhes no campo da lei", diz o especialista em política comparada do Instituto Ibero-Americano (IAI), Peter Birle.
"No final das contas, são sempre os políticos que decidem como usar os instrumentos legais à sua disposição", afirma, demonstrando estar pouco convencido de que a reedição das cláusulas democráticas da Unasul e do Mercosul garantiria uma ativação imediata quando forem exigidas. "Essas ferramentas sempre deixam espaço suficiente para diferentes interpretações", explica o especialista do IAI.
"Assim funcionam as relações diplomáticas entre esses Estados. Recordemos que eles têm experimentado, direta ou indiretamente, várias intervenções de potências estrangeiras que atacaram os governos legitimamente eleitos sob o pretexto de preservar a democracia na América Latina. O princípio da não interferência não surgiu do nada. Essa discussão é muito mais complexa do que parece", conclui Birle.