A drama queen voltou, ainda que não como protagonista. Cristina Fernández de Kirchner, a CFK, conseguiu retornar à cena política do país com um truque genial. A ex-presidente não reapareceu como postulante ao cargo mais alto do país, mas apenas como a vice do candidato, de sobrenome apropriadamente igual, Alberto Fernández.
Em primeiro lugar, o sucesso inesperadamente nítido da dupla nas eleições primárias
mostra que esse jogo funciona: o Fernández masculino não desperta, nem de longe, tanta rejeição quanto a ex-presidente, cujo governo levou a Argentina à beira da falência.
Apesar de Alberto Fernández ter atuado como ministro da Casa Civil no governo CFK e, anteriormente, no de seu falecido marido e antecessor Néstor Kirchner, ele se transformou num crítico dos kirchneristas após renunciar ao cargo. Obviamente, isso bastou para convencer muitos eleitores de que não repetiria os erros do passado.
Em segundo lugar, o resultado das eleições demonstra que o presidente em exercício, Mauricio Macri, com suas políticas econômicas forçosamente austeras, conta com a aceitação de cerca de apenas um terço do eleitorado. Para restabelecer a depauperada Argentina como parceiro econômico confiável e sanear as finanças do país, eram necessárias medidas drásticas: cortar subsídios, pagar dívidas e reduzir o aparelho estatal inflacionado.
No entanto, o esperado afluxo de investimentos estrangeiros foi escasso e em parte rapidamente removido, devido às novas políticas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Sem os subsídios, água, eletricidade e gás ficaram mais caros. Ao mesmo tempo, Macri não conseguiu domar a inflação: todos os preços subiram, o desemprego cresceu, assim como a pobreza. Recentemente o presidente teve que puxar os freio de mão, fechando um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), odiado pelos argentinos com base em experiências passadas.
O recibo disso tudo foi o resultado das primárias, com apenas 32% para a equipe de Macri e 47% para a chapa Fernández-Fernández. Nas eleições presidenciais de 27 de outubro, isso já bastaria para uma vitória em primeiro turno. As conquistas recentes de Macri, em particular o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, obviamente não tiveram influência na decisão dos eleitores.
A terceira lição do resultado das primárias, portanto, é um desapontador sinal para o futuro. A maioria dos eleitores perdeu toda a paciência, eles querem as ansiadas mudanças, em vez de desenvolver uma compreensão histórica e de processos complicados. Assim, a Argentina segue a tendência do momento: desde o Brexit e a eleição de Donald Trump nos EUA, até a de Jair Bolsonaro no Brasil e Andrés Manuel López Obrador no México, nos últimos anos venceram as "soluções" supostamente "fáceis". Em todos esses países, entretanto, os êxitos duradouros ainda se fazem esperar.
Na Argentina, será muito difícil para Macri reverter essa tendência até as eleições presidenciais, até porque o resultado das primárias já gerou incertezas e perdas nos mercados. A situação econômica deverá continuar a piorar, e com ela, as perspectivas para Macri. Ele se encontra num círculo vicioso.
Se a dupla Fernández-Fernández vencer as eleições em outubro, a angustiante luta da Argentina pelo crescimento econômico poderá se tornar, mais uma vez, uma espiral descendente para todo o país. A menos que Alberto Fernández consiga jogar Cristina Fernández para escanteio. Isso, porém, seria uma continuação da política de Macri, e não o happy end imediato que esperam os eleitores dos Fernández.
Uta Thofern é chefe do Departamento América Latina da DW
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