Na cena política londrina, este dia mais pareceu uma peça de hospício. Ainda no início da manhã de segunda-feira, a primeira-ministra britânica, Theresa May, corria atrás de seu leal ministro Michael Gove pelos estúdios de TV, para garantir que a votação sobre o Brexit iria ocorrer, como planejado, nesta terça-feira (11/12).
Por volta do meio-dia, uma porta-voz da Downing Street reiterou o anunciado. E meia-hora depois, Theresa May puxou o freio de mão e adiou a votação, que se transformaria numa catastrófica derrota para ela, por tempo indeterminado. Talvez ela mande agora os parlamentares e o acordo do Brexit para o recesso de Natal. Boas Festas!
Parece que May quer usar todo o tempo que lhe garantem os regulamentos. Ela quer deixar o Parlamento cozinhando em banho-maria, na esperança de que o medo de um Brexit "duro" aumente durante a época natalina e que a resistência contra o seu acordo enfraqueça.
Já durante as negociações do Brexit, ela procrastinou, adiou e atrasou decisões onde foi possível. Theresa May se tornou agora uma infratora reincidente. As negociações em Bruxelas não avançaram, porque Londres estava negociando principalmente consigo mesmo. No final, isso mais prejudicou que ajudou o lado britânico.
Em Bruxelas, todos estão balançando a cabeça diante do absurdo teatro na capital britânica. Theresa May perdeu agora o resto de sua credibilidade. Parece mais um sketch do grupo britânico de comédia Monty Python, onde a loucura tem método. No final, ainda deve sair o melhor Brexit de todos os tempos, prometeu May novamente perante o Parlamento. Quase não houve ouvidos para essa feliz mensagem.
No entanto, a estratégia da primeira-ministra pode sair pela culatra. Nesta semana, ela deverá voltar a Bruxelas e exigirá novamente a retirada do mecanismo conhecido como "backstop" irlandês do acordo entre Londres e a UE, o que, no jargão do Brexit, seria um resseguro contra uma fronteira "dura" entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda. Ela vai ficar mais uma vez com o nariz sangrando e pode se dar por satisfeita se ninguém lhe jogar na cara o tratado de separação de 585 páginas.
Mas, depois disso, ela vai ter que mostrar mais assertividade em Londres e admitir a sua derrota. Ela poderá dizer que teria realmente tentado tudo para atender às demandas dos apoiadores do Brexit. Mas isso será suficiente para superar a oposição dos conservadores e partes da oposição? É mais provável que a raiva de alguns parlamentares aumente ainda mais.
A primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, chamou a ação de May de uma covardia abominável. Theresa May assegurou temporariamente a sua posição e a liderança dos conservadores. Mas o veredicto sobre ela foi apenas adiado, não suspenso.
O fatal sobre o recuo de May é que, assim, ela perde um tempo que seria necessário para tomar uma decisão final sobre o Brexit ou ainda para revê-lo, pois a solução ainda mais saudável para sair do impasse político seria a realização de um segundo referendo.
Com sua ação, a primeira-ministra beneficia os fantasistas em seu próprio partido, que atualmente estão tagarelando sobre um Brexit "duro" de acordo com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), incluindo acordos de emergência com a UE. Afinal de contas, os caminhões ainda devem continuar passando pela fronteira em Dover. A coisa toda é um devaneio com previsíveis consequências econômicas devastadoras.
A primeira-ministra está colocando o seu partido e a manutenção de seu poder à frente do bem comum de seu país. Política sempre tem a ver com estratégia, ou seja, fazer a coisa certa no momento crucial. O que Theresa May está mostrando aqui para salvar sua pele é uma declaração de capitulação política. Um espetáculo ao qual se assiste com asco e consternação.
Barbara Wesel é correspondente da DW em Bruxelas.
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