Cessar-fogo deixa dois "vencedores" e muitos perdedores
22 de novembro de 2012É compreensível que, depois da declaração de cessar-fogo, os dois lados se apresentem como vencedores. Israel destruiu parte do arsenal bélico do Hamas e, ao mesmo tempo, comprovou a eficácia de seu sistema de defesa antimísseis. Se o cessar-fogo continuar ainda por algum tempo – o que é impossível de saber – o chefe de governo Benjamin Netanyahu poderá marcar pontos perante a população como um político linha-dura.
Acima de tudo, ele não precisará correr nenhum risco de empreender uma ofensiva terrestre com muitas perdas em Gaza – ao contrário de 2008 –, o que é uma clara vantagem nas eleições antecipadas de final de janeiro.
O grupo radical islâmico Hamas também saiu ganhando. Apesar de diversos de seus foguetes terem sido interceptados, ele pôde demonstrar que Israel não é completamente invulnerável em seus centros urbanos. O Hamas conseguiu, também, recolocar o conflito palestino no topo da agenda internacional, após as reviravoltas das revoluções árabes. E, por meio de declarações de solidariedade e visitas de políticos do mundo árabe, obteve uma enorme valorização política e moral.
O apoio ao Hamas deve ter crescido também entre a comunidade palestina, enquanto que o moderado presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, foi rebaixado a mero espectador. Politicamente ele não é levado a sério por quase ninguém. Mas isso pode ter um efeito adverso, especialmente para Israel. Se os moderados se enfraquecem, só resta a Israel agir por meio da força – ou por meio de acordos com os linhas-dura.
Assim, Israel diminui seu próprio espaço para manobras políticas e se torna refém da exitosa estratégia política do Hamas – e isso num momento em que toda a região árabe se encontra em transição e novos perigos à segurança de Israel ameaçam surgir.
O cessar-fogo mostra que acordos com linhas-dura não são impossíveis. Para tal, no entanto, são necessárias persistentes tentativas de mediação e muita pressão externa. A Alemanha e outros países europeus prestaram ativamente sua contribuição – mas decisivos foram a pressão dos Estados Unidos e o notável desempenho político demonstrado pelas novas lideranças políticas do Egito.
O presidente Mohamed Morsi provém da Irmandade Muçulmana, a partir da qual também surgiu o Hamas – e grande parte da população egípcia demonstra solidariedade aos palestinos na bloqueada Faixa de Gaza. Por esses motivos, Morsi criticou Israel com palavras enérgicas e enviou seu primeiro-ministro para uma espetacular visita de solidariedade a Gaza. Mas, por outro lado, à semelhança dos dias do regime Mubarak, o Egito atuou como um mediador responsável entre as partes conflitantes, tendo contribuído visivelmente para que o Hamas tenha aceitado o acordo. Com isso, Morsi angaria reconhecimento e respeito.
Se o cessar-fogo irá perdurar ou não – isso depende, entre outros fatores, da habilidade de negociação de Morsi. Certo é que Israel não irá mais suportar ataques de foguete em grande escala. Também é claro que o Hamas e outros grupos militantes não irão aceitar, de forma permanente, o bloqueio da Faixa de Gaza. Ambos os lados não podem arriscar uma perda de reputação, o espaço para acordos é apertado – mas mais de 150 vítimas fatais em uma semana obrigam que ele seja utilizado da melhor forma possível. Elas também fazem lembrar que, em conflitos como este, os vencedores são aparentes. Os verdadeiros perdedores são as pessoas em ambos os lados.
Autor: Rainer Sollich (ca)
Revisão: Alexandre Schossler