Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Este mesmo princípio, consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, esteve no centro da reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial e é o alicerce do sistema internacional de direitos humanos.
Lamentavelmente, muitas vezes os negros não são tratados de acordo com esse princípio. Apesar de todos os progressos alcançados no campo da igualdade e da não discriminação, eles continuam a ser alvo de racismo estrutural e institucional em muitos países europeus.
Se você é negro, tem mais chances do que um branco de enfrentar discriminação no mercado de trabalho, na educação, na área da saúde e de moradia, e de ser parado e revistado pela polícia.
Embora a maioria dos Estados europeus não reúna dados sobre discriminação racial, alguns relatórios dão uma ideia da magnitude do problema.
Na França, uma pesquisa da autoridade independente Defenseur des Droits (Defensor dos Direitos) mostrou que os jovens de ascendência árabe e africana tinham 20 vezes mais probabilidade de serem parados e revistados do que qualquer outro grupo masculino. De acordo com a Equinet, Rede Europeia de Organismos para a Igualdade, problemas semelhantes foram identificados em outros países, como Bélgica, Dinamarca, Chipre, Irlanda, Itália, Espanha e Reino Unido.
Na Rússia, um relatório da ONG Levada Center, encomendado pelo Congresso Judaico Russo, mostrou uma negatividade acentuada em relação aos negros ou "migrantes da África", enquanto na Finlândia, um relatório de 2017 sobre a discriminação sofrida por afrodescendentes revelou que a maioria dos entrevistados enfrentavam discriminação com frequência.
Um recente relatório parlamentar no Reino Unido destacou que a taxa de mortalidade no parto é cinco vezes maior entre mulheres negras do que entre brancas e que mais de 60% das pessoas negras no Reino Unido não acreditam que sua saúde seja igualmente protegida pelo Serviço Nacional de Saúde (NHS), em comparação com pessoas brancas.
Impacto na educação e no mercado de trabalho
O último levantamento da Agência dos Direitos Fundamentais da UE sobre o tema revela que 18% dos entrevistados com idades entre os 16 e os 24 anos não têm trabalho remunerado, nem estudam ou buscam uma formação, com diferenças substanciais entre os países. A pesquisa também indica que um em cada cinco entrevistados de ascendência africana se sente discriminado racialmente no acesso à moradia.
Em uma pesquisa publicada em 2018 pela Comissão Irlandesa de Direitos Humanos e Igualdade, os negros emergiram como desfavorecidos no que toca ao acesso a empregos de alto nível, apesar das altas qualificações.
A violência física e verbal é outro problema enfrentado pelos negros. Em Portugal, defensores dos direitos humanos e legisladores afrodescendentes foram agredidos ou receberam ameaças de morte. A ex-ministra da Integração italiana Cecile Kyenge e a ex-ministra da Justiça francesa Christiane Taubira têm sido repetidamente alvo de calúnias racistas.
Negação generalizada
Vejo uma continuidade entre esta situação e as injustiças que os negros na Europa têm sofrido por gerações. No entanto, há uma negação generalizada do problema.
A promessa não cumprida de igualdade trai uma longa tradição política, filosófica e judicial que coloca a igualdade no centro das democracias europeias. Tanto o Tribunal Europeu de Justiça como o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, bem como o Comitê Europeu dos Direitos Sociais e os órgãos de tratados da ONU, têm uma rica jurisprudência sobre a aplicação deste princípio.
Ainda assim, os Estados parecem lentos quando se trata de conter as práticas discriminatórias que mantêm os negros como cidadãos de segunda classe em nossas sociedades.
Para reverter a situação, os países europeus precisam fazer da luta contra o racismo e a discriminação racial uma de suas principais prioridades.
Combater o racismo por meio de legislação e educação
Eles precisam atacar as raízes do racismo contra os negros e abordar o legado do passado colonial e da escravidão histórica. Também é necessário lutar contra o discurso de ódio e os crimes racistas de forma mais sistemática. Outro campo crucial de intervenção é o policiamento. Os Estados devem erradicar a discriminação racial e a impunidade para crimes racistas cometidos por agentes da lei.
Tanto legislação quanto práticas, portanto, também devem ser fortalecidas, a fim de garantir a igualdade no acesso a educação, emprego, moradia e saúde.
No entanto, a mudança não é alcançada apenas por meio de legislação. Os esforços na educação são cruciais. Os currículos escolares devem refletir melhor a história e a herança cultural dos afrodescendentes e sua contribuição para o desenvolvimento de nossas sociedades.
Não faltam ferramentas jurídicas, profissionais e financeiras para tudo isso. O que falta é vontade política.
Os países europeus não devem mais ignorar a afrofobia. É chegada a hora de eles agirem para estreitar a lacuna entre a promessa de igualdade para todos e a realidade.
Dunja Mijatovic é a Comissária para os Direitos Humanos do Conselho da Europa. O texto reflete a opinião pessoal da autora, não necessariamente da DW.