Sai Uribe, fica o uribismo?
21 de junho de 2010Será Juan Manuel Santos o novo Álvaro Uribe? Ainda que seja o herdeiro número um da política uribista, é de se esperar que imprima uma marca própria a seu governo. Certo é que continuará agindo com dureza contra o narcoterrorismo. Mas será que vai também atuar contra os corruptos e contra os (potenciais) violadores da Constituição colombiana, dentro e fora das alas do Estado e do governo?
A campanha política havia terminado com um fato que fala por si: enquanto Antanas Mockus, o candidato do Partido Verde, conclamou a votar contra a corrupção, Santos deu de presente um livro com seus êxitos militares.
O economista de 58 anos, proveniente de uma família de políticos, editores e jornalistas, é programado para o poder e o êxito, não para elucubrações éticas. Mas é preciso reconhecer sua seriedade e seu preparo: ele foi bacharel da Escola Naval colombiana e graduado em Kansas, na London School of Economics e em Harvard. Desde muito jovem, Santos representou a Colômbia – a primeira vez em Londres, diante da Organização Mundial do Café, quando esse produto ainda era decisivo para a economia do país sul-americano. Mais tarde foi um bem-sucedido ministro do Comércio Exterior, da Fazenda e da Defesa, sob três presidentes distintos.
Santos soube reunir uma rede de protagonistas políticos em todo o mundo, alguns dos quais consideraram necessário respaldá-lo publicamente e defender sua integridade diante do difundido ceticismo sobre seu futuro governo. Entre outros, o mexicano Carlos Fuentes e o hispano-peruano Mario Vargas Llosa afirmaram que o político é "a garantia do respeito aos princípios democráticos, a defesa dos direitos humanos, a proteção das liberdades coletivas e individuais". O ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair também dedicou a Juan Manuel Santos um prólogo neste mesmo sentido.
Sua figura não gera simpatias, mas gera confiança, ainda que esta seja fragmentada, dentro e fora da Colômbia. O autos de As duas Américas, Carlos Fuentes, descreveu Santos como um homem com "um olhar felino, ameaçante, mas franco".
"Não é preciso amar Santos, é preciso votar nele": assim resumiu um eleitor da costa atlântica colombiana sua opção. Porém os artífices determinantes da continuidade do uribismo na pessoa de Santos foram os quase 4 milhões de Famílias em Ação – um programa de subsídios estatais para as vítimas da miséria e da violência guerrilheira e paramilitar na disputa do narcotráfico – os artífices determinantes da continuidade do uribismo na pessoa de Santos.
Mas não foi apenas nas regiões longínquas assoladas pelo recrutamento forçado por agentes ilegais que se optou pelo uribismo, como também em plena capital. Até mesmo na Ciudad Bolívar, populoso distrito de Bogotá, onde vive parte dos 2,5 milhões de desalojados do país, votou em massa por Santos. O mesmo se aplica a Soacha, município próximo à capital. Em nome dos "bons resultados", nos últimos anos as Forças Armadas prenderam lá jovens inocentes que buscavam trabalho, levaram-nos para o campo e os assassinaram, a fim de apresentá-los como guerrilheiros mortos em combate.
O pavor da violência guerrilheira e da expansão chavista foi mais forte do que os apelos do Partido Verde e do Polo Democrático. Enquanto para boa parte dos colombianos o mais importante nesse pleito era uma "mudança ética", segundo a fórmula do filósofo Antanas Mockus, para a maioria votante a segurança segue sendo prioridade.
Nada mais legítimo, porque é muito fácil elucubrar sobre princípios ideológicos quando não se é acusado pessoalmente pela guerrilha, mas Álvaro Uribe levou o país a níveis perigosos de "desinstitucionalização", esfumaçou, para dizer o mínimo, a divisão entre os poderes. Durante seus dois mandatos, ele abalou o fino equilíbrio de pesos e contrapesos na administração da Justiça. Pois, também segundo a Constituição colombiana, as sentenças emitidas pela Justiça devem ser tabu para o Executivo.
E aqui é onde Santos tem que demonstrar seu verdadeiro porte, não de guerreiro, mas de estadista democrático. Cabe ver até que ponto ele se mostrará independente do insistente Uribe e seu círculo de especialistas, que planeja fundar uma universidade virtual para difundir seu pensamento. Apesar de haver vencido em nome do uribismo, Santos terá que, até certo ponto, se emancipar dele, se não quiser passar à história como uma cópia desbotada do original. O caráter de Juan Manuel Santos permite confiar que isso acontecerá? A partir de 7 de agosto terá 1.460 dias para demonstrá-lo.
Aqui está o papel fundamental da oposição, que terá de ser diferente da exercida contra Uribe, que agiu muitas vezes tão radical como o próprio presidente. Pois é com argumentos e propostas viáveis que uma oposição deve fiscalizar o governo e conquistar eleitores críticos, não com acusações que fazem manchetes e conquistam simpatizantes no exterior, mas que não conseguem resistir aos exames das autoridades.
Com o Partido Verde como a segunda força política na Colômbia, há esperanças de que Mockus exercerá essa oposição com a qualidade necessária. Na Colômbia, o governo mudou, mas também a oposição. Ambos são sinais positivos.
É na defesa do Estado de direito que os colombianos têm que se reencontrar, é aqui que se deve dar a "Unidade Nacional" convocada por Santos. Assim, a esperança dos que o elegeram repousa na segurança, e a dos que lhe negaram seu voto, na construção de uma Colômbia com mais educação, mais trabalho, menos corrupção e menos pobres.
Autor: José Ospina-Valencia (av)
Revisão: Roselaine Wandscheer