Na verdade, este processo não era necessário. Pois, como pode um governo querer realizar a saída da União Europeia (UE) sem a anuência dos representantes eleitos pelo povo? Isso é antidemocrático e um comportamento que se conhece somente de autocratas do porte do presidente russo, Vladimir Putin, ou do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan. Com a tentativa de contornar qualquer resistência política ao desligamento da UE, a premiê britânica, Theresa May, não prestou nenhum favor à sua popularidade.
A briga em torno da Suprema Corte e de seu veredicto revelou lacunas vergonhosas na compreensão democrática britânica. Isso tem a ver, primeiramente, com o grupo dos favoráveis ao Brexit, para quem qualquer método é justificável quando se trata de aniquilar os opositores políticos. Seu desprezo aos princípios e costumes democráticos mostra que também os conservadores britânicos já se encontram, há muito, a caminho da "trumpinização".
Tanto é assim que a ministra da Justiça não se colocou ao lado de seus mais altos juízes, quando a imprensa marrom de direita os xingou de "inimigos do povo". Atualmente, o Brexit assumiu o caráter de uma razão de Estado superior que justifica tudo e qualquer coisa. E está no melhor caminho com vista a prejudicar seriamente não apenas a ligação com a Europa, mas também a própria democracia britânica.
Realmente imperdoável e repugnante é o tratamento dado à queixosa Gina Miller por muitos apoiadores do Brexit e seus seguidores. Ela fez um favor ao país ao impor o direito do Parlamento em questões tão importantes. E ela está pagando um preço alto por isso: desde então, Miller e sua família vem sofrendo ameaças e sendo agredidos com uma enxurrada de estrume verbal. Gina Miller não sofre somente ataques políticos por sua iniciativa, mas também sexistas e racistas. Mas onde foi parar um esclarecimento de Theresa May e seus ministros pró-Brexit de que as discussões políticas no Reino Unido devem acontecer de forma cívica e não por meio de ameaças de morte? Nada!
No caso de Boris Johnson, David Davis e Liam Fox, os três líderes do referendo sobre a saída do Reino Unido da UE, fica visível que qualquer instrumento é válido para silenciar a oposição. Mas ainda não se sabe como essa saída deverá funcionar. E o benefício para o Reino Unido e para a sua economia ainda é contestado por muitos especialistas. Mas os defensores do Brexit o perseguem com irracionalidade e um fervor quase religioso.
Para a UE, o veredicto em Londres não muda nada nos fatos: Bruxelas espera que Theresa May consiga a anuência do parlamentares, para dar início ao processo de desligamento do bloco segundo o Artigo 50 do Tratado de Lisboa. Para o Parlamento em Westminster, chega agora a hora da verdade: os representantes do povo devem salvaguardar os interesses dos cidadãos britânicos no Brexit. Trata-se de direitos trabalhistas, de consumidores e muito mais. Ao mesmo tempo, os parlamentares devem proteger as tradições democráticas do país, que estão em risco desde a votação do Brexit e através de seus propagandistas.