De novo o crucifixo – o que está acontecendo neste país? Estava claro que haveria críticas à decisão do governador da Baviera, Markus Söder, de mandar pendurar um crucifixo na área de entrada de repartições públicas em seu estado.
Certas associações islâmicas gostam de enfatizar o quanto se sentem marginalizadas em tudo que é possível. E até mesmo o número crescente de ateus reivindica de forma cada vez mais clara seu suposto direito de, por favor, nunca e em nenhum lugar serem incomodados pela religião – seja pelo sino da missa de domingo ou pela proibição de dançar na Sexta-feira Santa.
Mas à frente do coro dos críticos estão as principais mentes das igrejas cristãs, particularmente as da Igreja Católica. À frente de todos, o arcebispo de Munique, o cardeal Reinhard Marx. Segundo ele, o crucifixo foi expropriado em nome do Estado – e este não tem o direito de explicar o significado do crucifixo.
O cardeal deveria ficar feliz por ser o presidente da Conferência Episcopal na Alemanha, porque ele dificilmente poderia ocupar este cargo na Suíça, na Escandinávia, na Grécia, na Sérvia, na Eslováquia, na Geórgia ou no Reino Unido.
Por quê? Cruzes decoram as respectivas bandeiras nacionais – os símbolos do poder do Estado, par excellence! "Escândalo" e "parem o ladrão", estariam gritando por lá o cardeal e seus aliados. E há quem fique surpreso com o fato de todos eles ficarem em silêncio diante de cruzes de ferro em qualquer tanque, caça ou navio de guerra da Bundeswehr – embora várias centenas de muçulmanos sirvam às Forças Armadas da Alemanha há bastante tempo. E a Bundeswehr certamente não executa guerras santas.
Não, a Igreja Católica não tem o monopólio sobre o crucifixo. A cruz é uma expressão de identidade cristã que moldou a Europa durante séculos. A Baviera, a Alemanha e, de fato, toda a Europa certamente não teriam sua forma atual sem essa característica cristã. Especialmente porque muitos direitos e liberdades foram conquistados em confrontações com a Igreja. Quem não sabe ou não quer admitir pode simplesmente ler um livro sobre a história cultural da Europa.
É mais do que irônico quando é deixado justamente para Ahmad Mansour, um muçulmano de origem palestina, elucidar a situação em horário nobre na televisão alemã: "Nós não mostramos às pessoas que vêm a nós valores claros. Isso é um grande déficit. A frase 'nós vamos conseguir' [slogan usado pela chanceler federal alemã, Angela Merkel, no auge da crise migratória] não é suficiente"!
E é exatamente sobre isso que se trata na Baviera – não sobre marginalização, mas sobre qual espírito e com quais valores se deve trabalhar nas repartições públicas do estado. Valores que evoluíram ao longo de séculos e que abrangem o espaço cultural da Sicília à Lapônia. Valores que ninguém quer deixar de ter aqui – e passaram a ser atraentes a mais e mais pessoas de outras partes do mundo.
Sim, claro que um crucifixo no saguão não define uma boa administração ou escola. Para tal, precisa-se de pessoas que carregam esses valores, que façam com que outros os sintam. Mas certamente serve como lembrete, missão e advertência.
E não, cardeal: o crucifixo e sua mensagem não pertencem à Igreja e aos clérigos. A cruz representa muito mais. Ela serve – veja o início deste texto – até como uma maldição. Mas já que o Deus cristão é um Deus gracioso, ele certamente me perdoará por isso.
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