Perdão sérvio por Srebrenica é recebido com receio na Bósnia
26 de abril de 2013Um ano após declarar, ao tomar posse como presidente da Sérvia, que “não houve genocídio em Srebrenica”, Tomislav Nikolic voltou esta semana às manchetes dos jornais. Desta vez, no entanto, para se desculpar pelo massacre de cerca de oito mil muçulmanos bósnios em julho de 1995.
“De joelhos, eu peço que a Sérvia seja perdoada pelo crime cometido em Srebrenica”, disse Nikolic em entrevista a um canal bósnio transmitida na quinta-feira (25/04).
O massacre foi considerado genocídio pelo Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia, mas o presidente preferiu não usar o termo. Na entrevista, Nikolic lembrou que o Estado não foi considerado culpado pelas mortes, e sim autores isolados.
Nos dois países, especula-se agora o que o presidente sérvio realmente quis dizer com a declaração. A ambiguidade do discurso pareceu ser intencional, ou seja, elaborada de forma a gerar diferentes interpretações, dependendo do ponto de vista e da necessidade política.
A ativista Natasa Kandic, fundadora da ONG de defesa dos direitos sérvios Fundo para os Direitos Humanitários, destaca o valor da expressão “de joelhos” – algo que, afirma, até então nunca havia sido dito na Sérvia.
“Sabemos que Willi Brandt fez isso e, por isso, o pedido de desculpas é tão importante", comenta, numa comparação com o gesto, em dezembro de 1970, do então chanceler federal alemão em Varsóvia. “Não se deve prestar atenção se ele pronunciou ou não a palavra genocídio, e sim enxergar a declaração como um todo, fazendo uma ligação com o seu passado.”
Para muitos, manobra política
O passado de Nikolic o aponta como um ultranacionalista que negou crimes de guerra e se opôs à extradição do líder sérvio Radovan Karadzic e seu principal comandante militar, o general Ratko Mladic, para julgamento no Tribunal de Haia.
Porém, a aspiração da Sérvia em fazer parte da União Europeia o fez adotar um discurso mais moderado. E é nesse contexto que o ativista dos direitos humanos e advogado Srda Popovic, interpreta a mais recente declaração do presidente:
“Esse pedido de desculpas foi feito próximo às negociações da Sérvia com a União Europeia. Eu acho que ele não foi sincero. É apenas uma manobra política e, por isso, ela não foi vista na Bósnia de forma honesta.”
As primeiras reações na Bósnia estão de acordo com o discurso do ativista. Mesmo confiante, o presidente sérvio parece não ter convencido no país vizinho. Durante a entrevista, pareceu adotar um discurso pré-pronto e sua linguagem corporal não estava em conformidade com os crimes atrozes pelos quais se desculpava. Falou da desumanidade dos responsáveis pelo massacre e usou a expressão "de joelhos", mas jamais deixou a relaxada posição na cadeira em que sentava-se.
“A questão não é ajoelhar e pedir perdão. As famílias das vítimas de crimes de guerra precisam de honestidade e arrependimento sincero. E elas querem ouvir do presidente sérvio e da Sérvia o termo 'genocídio'. A palavra 'crime', por exemplo, é usada quando uma bolsa é roubada”, diz a presidente da “Associação de Mães de Srebrenica”, Munira Subasic.
Outras desculpas
A mesma opinião é compartilhada por políticos da Bósnia. Dragan Cavic, do Partido Democrata da República Sérvia (a parte sérvia da Bósnia), acredita que a entrevista foi uma tentativa de aliviar as relações com os muçulmanos bósnios. Zeljko Komsic, membro croata da tripartida presidência da Bósnia e Herzegovina, limitou-se a dizer que espera que a declaração de Nikolić "ajude a melhorar as relações na região".
Nikolić não é o primeiro líder da região a se desculpar pelos crimes de guerra. Seu antecessor, Boris Tadic, pediu desculpas em 2004 durante visita a Saravejo pelos crimes dos sérvios contra os muçulmanos bósnios e, três anos mais tarde, pelos crimes de guerra cometidos contra os croatas. Seu exemplo foi seguido pelo presidente croata, Ivo Josipovic, que também se desculpou com os bósnios e os sérvios por crimes de guerra.
A realidade é que a série de pedidos de desculpas não é, necessariamente, um ato de redenção – seja por se referirem a apenas uma parcela dos crimes de guerra, pela falta de sinceridade dos políticos ou por não representarem a opinião da maioria. Pelo menos para os bósnios, o "Willi Brandt dos Bálcãs" ainda não apareceu.