Estado de direito
21 de setembro de 2009A segurança interna de um país é um âmbito complexo, que envolve desde criminalidade no cotidiano até atentados terroristas, passando por questões como tráfico humano e operações militares no exterior. Afinal, pelo menos desde que o antigo ministro da Defesa Peter Struck declarou que "a segurança da Alemanha também pode ser defendida no Hindu Kush [Afeganistão]", as fronteiras também se tornaram indefiníveis do ponto de vista semântico.
Durante os quatro anos da legislatura que se encerra este ano na Alemanha, o governo democrata-cristão e social-democrata seguiu a política de segurança interna definida no acordo de coalizão selado em 2005. "Diante da ameaça do terrorismo internacional, segurança interna e externa estão cada vez mais estreitamente ligadas", ressalta o documento.
Alemanha na mira do terrorismo?
Na última sessão do Parlamento alemão antes das eleições parlamentares de 27 de setembro, a premiê Angela Merkel lembrou do que ocasionou o estabelecimento de uma nova ordem de segurança: os atentados de terroristas islâmicos ocorridos nos Estados Unidos no dia 11 de setembro de 2001. Merkel também lembrou que o 11 de Setembro foi sucedido por outros atos de terror avassaladores – inclusive na Europa, em Madri e em Londres.
"A Alemanha também está na mira dos terroristas, como sabemos", advertiu a premiê. Isso porque o país participa da intervenção da Otan no Afeganistão, onde tem milhares de soldados estacionados. Na internet, por exemplo, aumenta o número de vídeos em que extremistas islâmicos ameaçam cometer atentados na Alemanha. Até agora o país foi poupado: em parte, por sorte; em parte, em decorrência da atuação dos órgãos de segurança.
No entanto, as autoridades não podem garantir cem por cento de segurança, advertiu Merkel. "Não se pode acusar o Estado de não ter tentado tudo para garantir a segurança das cidadãs e dos cidadãos", declarou a premiê ao Bundestag, câmara baixa do Parlamento.
Defesa da Constituição vigia abusos no combate ao terrorismo
Para dar conta das ameaças existentes ou apenas supostas, o governo lançou inúmeras leis. Uma delas permite que o Departamento Federal de Investigações atue de forma preventiva. Além disso, o Estado estava para adquirir o direito de acessar computadores pessoais através da internet, uma determinação que – no entanto – pôde ser bloqueada por acusações de inconstitucionalidade.
Houve outro caso em que o Tribunal Constitucional Federal aceitou as ações movidas contra o governo, ao rejeitar uma lei que concederia às forças de segurança o direito de abrir fogo contra aviões de passageiros sequestrados. Afinal, isso comprometeria a dignidade humana, além de representar um grande risco de se matarem inocentes.
Outra medida polêmica é a centralização dos dados digitais arquivados para o combate ao terrorismo. Esse arquivo central contém todas as informações coletadas por autoridades policiais, órgãos de proteção à Constituição, outros serviços secretos federais e instituições dos 16 estados federados alemães.
A ideia de um arquivo central é facilitar a identificação de suspeitos de terrorismo, como – por exemplo – os que depositaram malas-bomba em trens na cidade de Colônia há três anos, que por sorte não detonaram.
O ex-presidente do Serviço Federal de Informações (BND) e atual vice-ministro do Interior, August Hanning, defende a medida: "Não podemos vigiar o transporte ferroviário da mesma forma que o tráfico aéreo. Por isso é tão importante conseguir de antemão as informações necessárias. Por isso um arquivo antiterrorismo é tão importante".
Solapamento do Estado de direito
Opositores da centralização do arquivamento, como a copresidente do Partido Verde Claudia Roth, denunciam que isso compromete a separação – prevista por lei – entre serviço secreto e polícia no âmbito da persecução penal. "Temos que manter e respeitar esse limite com toda clareza, senão estaremos minando o Estado de direito", justificou Roth.
Uma outra medida da política de combate ao terrorismo é o chamado registro de reserva. Isso significa que todo o fluxo de informação via telefone e internet fica arquivado durante seis meses na Alemanha. Essa lei também acabou sendo amplamente restrita pelo Tribunal Constitucional Federal.
Além disso, contou com a forte resistência de políticos liberais. Max Stadler, especialista de política interna do Partido Liberal no Parlamento, explicita: "Trata-se de dados de pessoas completamente inocentes. Isso é uma novidade, pois anteriormente o Estado só podia intervir na esfera privada se houvesse suspeitas concretas".
Outros pontos polêmicos da política de segurança são ameaças penais de envio de suspeitos para os chamados acampamentos de terroristas, o registro de dados biométricos em documentos de identidade ou a reintrodução – em maio passado – da regra referente à testemunha principal, que permite reduzir sob certas condições a pena de criminosos coniventes que depuserem contra outros réus.
Para o encarregado de proteção de dados eleito pelo Parlamento, Peter Schaar, muitas regulamentações vão longe demais. Ele exige uma revisão geral, a fim de questionar as vantagens e o grau de eficiência das novas leis, bem como o alcance da intromissão na esfera privada.
Adoção de direito penal bélico, inspirado nos EUA?
Um dos mais conhecidos opositores da política de segurança da coalizão de governo alemão é o ex-ministro do Interior Gerhart Baum (77). Baum exerceu o Ministério no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, durante o auge do terrorismo de extrema esquerda da Fração do Exército Vermelho (RAF) na Alemanha.
O democrata liberal se preocupa com a substância do Estado de direito e considera inaceitável que sequer se discuta o uso da tortura como método de investigação ou a manutenção de presídios ilegais pelos EUA. "De repente o criminoso se torna um inimigo contra o qual se usam meios bélicos. Essa foi também a filosofia dos americanos, estabelecer uma espécie de direito penal para inimigos, algo que infelizmente volta a encontrar defensores na teoria geral alemã do Estado".
O político liberal de esquerda acabou de publicar um livro cujo título é um apelo: Salvem os direitos fundamentais – liberdade civil versus delírio de segurança. É entre esses extremos que oscila a política de segurança interna da Alemanha.
Autor: Marcel Fürstenau (sl)
Revisão: Augusto Valente