Políticos franceses tentam capitalizar com Brexit
3 de julho de 2016Marine Le Pen, líder do partido francês de extrema direita Frente Nacional, celebrou o resultado do referendo britânico a favor da saída do Reino Unido da União Europeia (UE) como um chamado para a liberdade. O político conservador Nicolas Dupont-Aignan acredita que a UE esteja "em fase terminal". O ex-presidente da Nicolas Sarkozy quer um novo tratado europeu, enquanto seu sucessor, François Hollande, espera conseguir escorar as abaladas fundações do bloco comunitário.
A menos de um ano das eleições, agendadas para abril e maio de 2017, aspirantes à presidência da França de todas as direções políticas estão se esforçando para capitalizar com o referendo do Brexit, na esperança de conquistar um eleitorado insatisfeito e descontente.
"A questão europeia e, claro, o voto pelo Brexit serão um dos temas de campanha eleitoral", disse Bruno Cautrès, analista do instituo político Cevipov de Paris, em entrevista à DW. "Questões europeias dividem a esquerda e a direita."
Pesquisas mostram que muitos eleitores franceses têm pouca simpatia por Bruxelas e sua burocracia. Uma enquete realizada em junho pelo Centro de Pesquisa Pew, de Washington, aponta que 61% dos franceses não veem a UE com bons olhos – percentagem maior que a verificada no Reino Unido (48%) e na Alemanha (49%). Muitos na França também desaprovam a maneira como Bruxelas tem lidado com questões polêmicas, como imigração e economia.
"Não sei o que a União Europeia está me dando todos os dias", disse o vendedor parisiense Vic Guilloux, apontando o Acordo de Schengen – que também inclui países não pertencentes à UE – como a única vantagem. "Para viajar aos diferentes países, sim. Fora isso, não vejo muito [benefício]."
"UE se assemelha à União Soviética"
À primeira vista, os resultados do Brexit oferecem um impulso poderoso para Le Pen e para o discurso anti-Europa e anti-imigração da Frente Nacional. "Parem de fazer careta", disse ela a legisladores do Parlamento Europeu, em Bruxelas, nesta semana. Le Pen descreveu o resultado do Brexit como o acontecimento mais importante da Europa desde a queda do Muro de Berlim – algo que ajuda a acelerar o fim do bloco.
"Há pedidos por referendos em todo o continente", escreveu Le Pen, num artigo de opinião no jornal americano The New York Times. "Cada vez mais, o destino da União Europeia se assemelha ao destino da União Soviética, que morreu de suas próprias contrações."
Ela espera acelerar a chegada desse fim, prometendo realizar um referendo sobre o "Frexit" (saída da França da UE) caso seja eleita presidente. Com forte apoio nas urnas nas eleições regionais do ano passado, a perspectiva de Le Pen não é apenas uma ilusão, embora analistas não acreditem que ela possa sair vencedora num segundo turno.
Outros aspirantes ao Palácio do Eliseu também estão fazendo fortes apelos por uma reforma estrutural ou até completa da União Europeia, um projeto que surgiu de um pacto pós-guerra de carvão e aço entre França e Alemanha.
"Não podemos responder a uma crise histórica com medidas pequenas. Precisamos mudar as regras", afirmou Sarkozy, que lidera a legenda de centro-direita Os Republicanos e está de olho num novo mandato como presidente. "Para mudar as regras, precisamos de um novo tratado."
Embora tal discurso não seja exclusivo da França – partidos populistas no resto da Europa também o estão adotando –, ele desencadeou alguns alarmes.
"Sarkozy realmente tem intensificado sua retórica anti-Bruxelas, e isso é um problema muito grande", disse a chefe do escritório francês da fundação americana German Marshall Fund, Alexandra de Hoop Scheffer. "É uma tendência muito perigosa quando partidos tradicionais adotam a retórica anti-Bruxelas da extrema direita", disse ela à DW.
Hollande na contramão
Hollande está tomando um caminho diametralmente oposto, investindo seu encolhido capital político em Bruxelas. "Embora reconhecendo as necessidades de reforma da EU, ele tem rejeitado pedidos por um referendo francês, afirmando que a eleição presidencial no próximo ano servirá a esse propósito. "O referendo britânico será um exemplo – ou melhor, um contraexemplo", disse o presidente francês.
De fato, há quem acredite que a caótica precipitação do Brexit possa oferecer a Hollande uma oportunidade para renovar sua reputação política. "Hollande tenta usar o Brexit para se redimir em Bruxelas e Paris", escreveu o diário Le Monde, citando um ministro francês descrevendo as esperanças presidenciais de "conduzir as aspirações da população [...] a uma Europa diferente."
"A popularidade de Hollande está muito fraca, a recuperação econômica não é boa e a esquerda está dividida. Assim sendo, ele precisava desesperadamente que algo acontecesse – e agora temos o Brexit", disse o analista Cautrès.
As pesquisas também mostram que os franceses ainda estão inclinados à permanência na UE – por ora, ao menos. Uma recente pesquisa do instituto TNS Sofres-Onepoint aponta que 45% apoiam a permanência no bloco, enquanto um terço dos entrevistados prefere a saída. Outros 22% se disseram indecisos.
"Se continuarmos a ver estes terríveis dados econômicos e, especialmente, toda a batalha política interna no Reino Unido, os franceses podem pensar duas vezes antes de votar por um Frexit", disse Marco Incerti, porta-voz do Centro de Estudos de Política Europeia, think-tank com sede em Bruxelas.
No entanto, escolher a opção considerada segura não significa necessariamente um voto para Hollande. Incerti, por exemplo, aposta numa vitória eleitoral do ex-primeiro-ministro Alain Juppé, político centro-direita que descartou a possibilidade de um referendo no estilo do realizado no Reino Unido, mas, mesmo assim, quer que o projeto europeu seja maciçamente repensado.
Cautrès concorda que é improvável que o posicionamento de Hollande na EU dê um retorno a ele. Em última análise, segundo ele, a eleição francesa se transformará num debate de questões de sempre, como emprego e economia.
"Hollande provavelmente manterá o discurso adotado durante a última eleição", disse Cautrès. "Ele pedirá por uma renegociação da Europa, uma reorientação da Europa. Mas tenho grandes dúvidas se esse discurso funcionará pela segunda vez."