Por que a eficácia de 50,38% da Coronavac não é ruim
13 de janeiro de 2021Muitos receberam com decepção a notícia de que a eficácia global da Coronavac foi de 50,38% nos testes clínicos realizados no Brasil. A informação foi divulgada nesta terça-feira (12/01), pelo Instituto Butantan, que desenvolve o imunizante contra a covid-19 em parceria com a empresa chinesa Sinovac.
Contudo, o índice está dentro do recomendável estabelecido tanto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) — em consonância com outros órgãos regulatórios pelo mundo, como Food and Drug Administration (FDA) dos EUA. E é similar ao de pelo menos dois outros imunizantes já consagrados no calendário vacinal brasileiro, o contra a gripe e o contra a tuberculose.
Para se chegar a um índice razoável de eficácia para uma vacina, epidemiologistas usam uma equação matemática chamada teorema do limiar, que indica qual a percentagem mínima da população que precisa ser vacinada para conter a epidemia. No caso da covid-19, um índice de 50% bastaria desde que a cobertura vacinal fosse de 100%.
Quanto maior a eficácia da vacina, menor pode ser a proporção de vacinados. Se for utilizada uma vacina com 90% de eficácia, por exemplo, um mínimo de 56% da população vacinada seria suficiente.
"Fazendo um raciocínio bem simplista: vacinar 10% da população com uma vacina com 100% de eficácia é a mesma coisa de vacinar 20% da população com uma vacina com 50% de eficácia", esclarece o médico Marcio Bittencourt, professor da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein.
"A ideia é que [com uma vacina de eficácia mais baixa] vamos ter de vacinar mais gente para ter uma proteção coletiva maior. Mas ainda assim, [a Coronavac] é uma vacina que acrescenta bastante proteção", considera. O desafio agora parece ser encorajar a população a aderir à campanha de vacinação de forma maciça.
Entre as vacinas já em uso contra a covid-19, a da Pfizer-Biontech apresentou eficácia de 95%; a da Moderna, de 94,5%; e a da AstraZeneca-Oxford, de 70%. Nos testes clínicos com a Coronavac realizados na Indonésia, foi anunciada uma eficácia de 65,3%, com base em dados preliminares.
Gripe e tuberculose
Especialistas apontam que as pessoas não questionam a eficácia de outras vacinas, ainda que tenham índices também baixos. É o caso do imunizante contra a gripe. Ele é feito com diferentes cepas do vírus influenza — inativado, fragmentado e purificado. Como essas cepas variam rapidamente de ano para ano, a eficácia também não é constante. Depende de cada atualização.
Todos os anos a OMS promove consultas técnicas para eleger as recomendações das amostras vacinais que devem compor os imunizantes antigripais, respeitando as sazonalidades dos hemisférios Sul e Norte. Nas safras em que essa escolha é bem acertada, os índices de eficácia chegam na casa dos 60% — mas muitas vezes o imunizante não contem uma ou mais cepas que estão circulando no momento da campanha vacinal. De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, a média de eficácia desse imunizante entre 2009 e 2019 foi de 44%.
"É uma vacina extremamente variável. Geralmente fica entre 40% e 60%, mas às vezes até mais baixa", comenta Bittencourt.
"É importante frisar que a vacina contra a gripe, que em alguns momentos tem eficácia até abaixo dos 50%, mesmo assim salva muitas vidas", acrescenta a biomédica Mellanie Fontes-Dutra, coordenadora da Rede Análise Covid-19.
"A vacina contra a gripe é constituída por três a quatro sorotipos diferentes. E é bastante frequente que um dos sorotipos tenha a eficácia de 35% a 40%, mas como esse sorotipo na vacina é suficiente para reduzir a mortalidade da gripe, nós o utilizamos", explica o sanitarista Gonzalo Vecina Neto, fundador e ex-presidente da Anvisa.
Outra vacina que tem eficácia considerada baixa mas, a exemplo dos números da Coronavac anunciados, conta com o benefício de evitar a manifestação mais grave da doença, é a famosa BCG, utilizada contra tuberculose. Criada em 1921 pelos imunologistas Albert Calmette (1863-1933) e Camille Guérin (1872-1961), recebeu esse nome em alusão a ambos — a sigla significa bacilo Calmette Guérin. Sua eficácia é de 60%.
"Trata-se de uma vacina muito antiga, feita com bactéria atenuada. É uma das vacinas que protegem menos, mas, por outro lado, protege muito porque evita a doença grave", aponta o médico Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor).
Vacinas com eficácia alta
Por outro lado, outras vacinas têm eficácia muito alta. As contra poliomelite, por exemplo, chegam a 99% de proteção. A vacina contra HPV tem 98% de eficácia. O imunizante contra catapora protege de 80% a 90% contra a infecção — e de 95% a 98% contra as formas graves. O contra hepatite B apresenta índices na casa dos 80%.
A tríplice viral — caxumba, rubéola e sarampo — tem eficácia de 97%. No caso do sarampo, contudo, a transmissão é um problema: uma pessoa doente pode infectar, em média, outras 14. Por isso que, voltando ao teorema do limiar epidemiológico, no caso dessa doença é preciso que pelo menos 92% da população esteja vacinada para que não haja risco de epidemia.
"As pessoas precisam entender que vacinas são uma estratégia enquanto sociedade. Não se trata apenas de uma proteção individual", afirma Fontes-Dutra. "Assim, mesmo uma vacina com 50% de eficácia, se todo mundo se vacinar, já vai conseguir, de alguma forma, reduzir os riscos [de transmissão]."
"A grande maioria das vacinas que normalmente tomamos, como sarampo, difteria, tétano, tem eficácia alta. Mas essas são doenças mais letais", diz Vecina Neto. "Doenças com probabilidade de matar mais baixa, como é o caso da gripe e agora aqui também da covid-19, nós aceitamos que [a vacina] tenha uma eficácia menor. [São doenças que] se disseminam muito e têm uma letalidade mais baixa."
Os números da Coronavac
A chamada taxa de eficácia global — que no caso dos testes da Coronavac no Brasil foi de 50,38% — indica a capacidade de uma vacina de proteger contra todos os casos da doença, sejam leves, moderados ou graves.
A cifra de 50,38% tem como base a análise das informações de 9.242 voluntários. Destes, um grupo de 4.653 pessoas recebeu duas doses da Coronavac, e 4.599 receberam placebo. Entre todos os participantes, 252 foram infectados posteriormente, sendo que 85 desses voluntários receberam a Coronavac, e o restante, 167, tomaram placebo. Ou seja, quem recebeu a Coronavac está 50,38% mais protegido contra a doença, segundo o estudo.
"Sem dúvida os níveis de proteção [global da Coronavac] apresentados foram decepcionantes. Em todo caso, há uma eficácia de 78% em casos que necessitem de atendimento médico, ou seja, já deixa a doença mais branda", avalia Kalil, do Incor.
Dados divulgados pelo Butantan na semana passada haviam mostrado que a Coronavac tem eficácia de 78% em casos leves de covid-19, em que os pacientes necessitaram de atendimento médico, mas não a ponto de internação.
O instituto também havia divulgado eficácia de 100% em casos graves e moderados, protegendo assim contra mortes e complicações mais severas, embora esse índice tenha sido calculado com base em apenas sete pacientes que desenvolveram esse quadro da doença, todos do grupo que tomou placebo, e não a vacina. O número é considerado pequeno para uma análise final, e mais casos deverão ser analisados.
"Não é a vacina que estávamos esperando. Mas já vamos conseguir diminuir a circulação do vírus. É importante salientar isso: podemos tomar essa vacina agora e outra [melhor] depois, futuramente", diz Kalil.
Preocupação com idosos
O médico demonstra preocupação, contudo, com os idosos — justamente um dos grupos mais afetados pela covid-19. De acordo com ele, é preciso ainda observar como seus organismos irão reagir à vacina, porque "normalmente idosos respondem pior a vacinas feitas com vírus inativados".
Por enquanto, foram testados para a Coronavac profissionais de saúde saudáveis com idade de 18 anos ou mais. É comum, que inicialmente estudos de vacinas se concentrem em adultos saudáveis para depois serem ampliados para outros grupos.
A eficácia de um imunizante constatada em testes clínicos pode, portanto, não ser a mesma da que virá a ser verificada na população em geral.