Presos têm penas reduzidas em projetos educacionais
23 de outubro de 2013Com a quarta maior população carcerária do mundo e um déficit de mais de 230 mil vagas, o sistema prisional brasileiro sofre com superlotação, falta de estrutura e o domínio do crime organizado em muitas unidades. Na última semana, foi assinado um pacto assinado entre todas as esferas do poder público para tentar comabter o problema de falta de vagas.
Mas enquanto mudanças estruturais não acontecem, organizações da sociedade civil, universidades e o próprio poder público promovem iniciativas de ressocialização, que têm como finalidade a diminuição dos índices de reincidência, de violência nas prisões e a redução de penas.
Atualmente a Lei de Execuções Penais – que trata do cumprimento de penas – define que o presidiário do regime fechado ou semiaberto poderá diminuir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena – um dia para cada 12 horas de frequência escolar ou três dias de trabalho.
Um projeto de lei está em discussão na Câmara dos Deputados e prevê a inclusão de atividades esportivas. O argumento dos autores da proposta é que a inclusão da prática de esportes no programa educativo amplia a promoção de saúde e promove o convívio pacífico.
Mas nem todas as unidades oferecem a possibilidade de trabalho e estudo a todos os presos, por isso iniciativas complementares vêm surgindo para tentar fornecer novas modalidades de ressocialização.
Liberdade através da leitura
“Logo ao chegar, notei que me despersonalizavam”, conta Graciliano Ramos no romance Memórias do Cárcere, obra que serviu de inspiração para a pesquisadora Maria Luzineide Ribeiro, da Universidade de Brasília. Ao fim da pesquisa realizada durante dois anos de mestrado, a conclusão dela é de que 30% dos presidiários do Distrito Federal têm hábito de leitura, e 70% deles leem entre dois e quatro livros por mês.
"Dentro do ambiente onde impera o ócio e a superlotação, o livro era uma espécie de válvula de escape, um momento de liberdade”, afirma a pesquisadora à DW, para quem a despersonalização retratada por Graciliano Ramos também pode sem compensada com a leitura. “Ele se vê como um indivíduo capaz ainda de produzir alguma coisa, porque a leitura traz conhecimento não só do mundo, mas de si próprio."
Para ampliar e dar nova motivação ao consumo de literatura por parte dos detentos surgiu o projeto Portas Abertas, parceria da UnB, da ONG Ser Livre e do sistema penitenciário do DF. O programa envolve a leitura de um livro por mês, de um autor diferente a cada vez, preferencialmente de autor brasileiro contemporâneo, além da produção de uma resenha crítica, que é avaliada pelos observadores. Em seguida, os relatórios de desempenho são apresentados ao juiz competente, que dirá em quantos dias a pena poderá ser reduzida.
Iniciativa semelhante é feita em São Paulo. Lá, os presos também leem um livro por mês e produzem resenha, mas as obras podem ser literárias, clássicas, científicas ou filosóficas, de acordo com a disponibilidade. Qualquer preso, independentemente do crime e quantidade de pena, pode participar da atividade, e uma comissão acompanha a realização dos trabalhos. Os participantes têm 30 dias para leitura e dez dias para a elaboração da resenha.
Jayme Garcia Dos Santos Junior, juiz assessor da Corregedoria Geral de Justiça do estado de São Paulo, explicou à DW que o órgão institucionalizou a prática, o que significa, na visão dele, que “o poder judiciário reconhece que a remição pela leitura é um instrumento capaz de influenciar positivamente na reinserção social do sentenciado”.
Com a regra estadual, os magistrados locais têm um padrão a ser seguido nas unidades prisionais de cada jurisdição. Presídios de Campinas e Sorocaba, por exemplo, já participam do programa.
Engajamento e retaliação
Da primeira fase do projeto no DF participaram 120 detentos de duas penitenciárias locais, mas apenas 12 conseguiram ter seu relatório aprovado e levado ao juiz. Para Maria Luzineide, os números estão ligados ao baixo nível de escolaridade dos detentos e à falta de estrutura do sistema carcerário. “Como é um projeto piloto, temos as dificuldades do próprio sistema”, reconhece.
Para o juiz Douglas de Melo Martins, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o modelo carcerário brasileiro é “inadministrável” pela alta concentração de presos em várias unidades.
Na avaliação do coordenador, a concentração de muitas pessoas num só lugar favorece o crescimento do crime organizado, o que acaba por inviabilizar o sucesso de iniciativas de ressocialização – uma vez que o preso fica isolado do convívio da família e o Estado também não efetivo suficiente para acompanhar a realização das atividades socioeducativas.
Ele alerta que, com o poder exercido pelas organizações criminosas, o detento acaba por se envolver no crime – seja para conseguir melhorar o nível de vida na cadeia, seja para ter acesso a drogas ou armas – e não participa dos programas de ressocialização por medo de ser confundido com um delator.
Como as vagas nesses programas são geralmente concedidas aos presos como um privilégio, essa segregação acabaria sendo fortalecida. “As iniciativas que surtem efeito e que efetivamente promovem diminuição da reincidência são nas pequenas unidades”, diz o juiz. Ele cita exemplos de unidades nos estados do Maranhão e Amazonas que têm pouco mais de cem presos e apresentam baixos índices de reincidência e fuga.
“Descentralizar e acabar com presídios grandes e construir pequenas unidades naquelas comarcas de influência regional ajudaria muito a enfraquecer o domínio das organizações criminosas”, avalia.
Outra preocupação do magistrado é com o acompanhamento das ações. “É importante que isso [a iniciativa] esteja inserido no contexto da educação e é preciso ter rigor nessa avaliação”, alerta Martins.