A minha última coluna trouxe a perspectiva de jovens do ensino médio público sobre quais tipos de ações e perfis de professores fazem com que se sintam acolhidos e tenham vontade de participar das aulas e também sobre ações e perfis que acabam tendo o efeito contrário, ou seja, os afastando ainda mais dos estudos.
É fato que houve certo descontentamento de parte do público e gostaria de começar esta coluna me desculpando se desapontei alguém. Minha intenção não foi generalizar nem ofender os professores, mas sim ser fiel aos relatos dos estudantes.
Aos que se desapontaram dizendo coisas como "ós professores nunca são ouvidos ou consultados", concordo com vocês, essa também é uma crítica minha. No entanto, por favor, não generalizem. Tenho orgulho de já ter escrito vários textos em que os professores foram não apenas consultados, mas sim os protagonistas.
De modo geral, desde o início desta coluna, em março de 2020, tivemos dois tipos de textos recorrentes: aqueles com a perspectiva dos professores e aqueles com a perspectiva dos estudantes.
Minha metodologia de escrita é simples e estratégica: falo com muitos professores ou estudantes de todo o país em função da perspectiva escolhida. Sinto que há um ponto que preciso esclarecer: não sou jornalista, sou colunista, escrevo textos de opinião, e, portanto, há um teor pessoal em todos os meus textos. Mas no caso das colunas mencionadas, meus comentários pessoais são mínimos, e meu trabalho é basicamente ir amarrando todos os relatos, sempre tendo como pré-requisito honrar e fazer justiça às vozes dos ouvidos.
Noto um claro padrão: é natural que, nos textos com a perspectiva dos docentes, haja desconsiderações de pontos dos bastidores dos estudantes. Assim como nas colunas em que trago a perspectivas dos alunos, eles naturalmente desconsideram questões importantes dos bastidores dos seus professores.
Minha coluna mais recente foi, sim, a primeira em que trouxe a perspectiva do jovem quase que exclusivamente sobre seus professores e não, como das outras vezes, sobre o sistema educacional em si. Acredito que tenha sido isso que tenha causado comoção, por ter sido interpretado por alguns como um ataque ou desrespeito aos profissionais da educação.
Vítimas do próprio sistema
Tenho uma leitura dessa reação que me motivou a escrever este novo texto: muitas vezes, bem comumente na verdade, o próprio sistema faz com que os professores e os estudantes sejam interpretados ou tidos como inimigos um do outro, quando, na verdade, são ambos vítimas do próprio sistema.
Por favor, não interpretem como uma generalização, mas é compreensível que, na prática, o professor muitas vezes seja para o estudante e o docente seja para o aluno a própria personalização do sistema.
Como assim? Pode acontecer de muitos problemas do próprio sistema para os estudantes acabarem caindo na conta de seus professores. O contrário também ocorre, ou seja, os estudantes levam a culpa por questões que são maiores do que eles.
Falta de diálogo e respeito
O grande problema é que isso pode minar toda e qualquer possibilidade de diálogo e conexão entre os dois lados. Um resultado comum: ambos os agentes estão, mais do que nunca, adoecendo, e o ambiente escolar acaba sendo sinônimo de um lugar que faz mal, que cansa, que adoece e de não de acolhimento ou pertencimento.
Penso que há dois problemas imediatos. O primeiro, como já foi introduzido anteriormente, é o quanto essa relação conturbada e, em alguns momentos, até rancorosa entre ambos faz com que, por proteção, assumam uma postura arisca e defensiva em suas relações interpessoais. Assim, nascem generalizações, desapontamentos, frustrações, mas quase nunca a abertura e disposição para o próprio diálogo. É comum, por exemplo, um não estar genuinamente disposto a ouvir o outro e justificar, mesmo que não verbalmente, a ação com o fato dos desafios e problemas que enfrenta.
Então, dadas todas as dificuldades e bastidores dos estudantes (possível falta de apoio familiar, necessidade em muitos casos de conciliar trabalho com o estudo, desmotivação, falta de autoestima, etc.), os professores simplesmente não podem falar nada sobre ações de seus alunos? Por exemplo, sobre a importância de os respeitarem, de prestarem atenção à aula, de não demorarem muitos minutos para se acalmarem e assim perderem muito tempo de aula.
Por outro lado, dadas as dificuldades e desafios dos professores (desvalorização, baixa remuneração, necessidade de lecionar em várias turmas ou colégios para conquistarem uma remuneração digna, adoecimento), os estudantes não podem ter o direito de compartilhar suas próprias perspectivas e expectativas? Como sobre professores que fazem generalizações e os comparam, que não os acolhem, que não têm paciência ou disponibilidade para tirar dúvidas.
Penso que essa não abertura ao diálogo, embora compreensível na maioria dos casos, não faz bem algum para nenhum dos lados. Além de ser comum não se ouvirem e não se acolherem, é comum, em certa medida, não se respeitarem (nesse caso, mais comumente, os alunos para com seus professores).
Sistema isento de responsabilidade
Na maioria dos casos, o potencial de união é perdido, e, como consequência, cria-se um terreno fértil para o segundo problema: o próprio sistema, responsável inclusive por essa desunião, acaba se isentando de boa parte da responsabilidade – isso quando não isenta totalmente.
Já tive a oportunidade de visitar pouco mais de cem colégios de sete estados do Brasil. Além disso, tenho contato direto com estudantes e professores de todo o país. Ouvindo seus relatos e feedbacks, palavras como "os alunos deveriam" e "os professores teriam que" aparecem mais vezes do que "o sistema deveria/teria que". Isso é grave, pois esse terceiro agente – que é o culpado inclusive – acaba passando despercebido.
Temo que a solução para esse problema seja muito complexa e acho que requer um trabalho multiprofissional. Como possível ponto de partida, acredito que seria nada menos do que muito necessário a presença de um profissional da psicologia em cada um de nossos colégios públicos. Não necessariamente para clinicar, mas sim para cuidar e acolher as demandas das relações interpessoais das pessoas que fazem parte de nossos colégios públicos: professor x estudante, professor x coordenação, estudante x gestão, professor x gestão, etc.
Infelizmente, enquanto não houver uma maior conexão, empatia e união entre os agentes dos colégios, ainda que a própria desunião não seja culpa deles, mas sim do próprio sistema, é provável que qualquer possibilidade de mudança real e sólida simplesmente não encontre terreno fértil para a própria propagação.
E vou além: quantas construções conjuntas simplesmente nem estão sendo possibilitadas de nascer? Uma coisa é certa: quem ganha não são nem os professores nem os alunos. A quem isso está servindo?
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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1.