Proibição de cigarros aromatizados acende disputa legal no Brasil
25 de setembro de 2013Seis milhões de pessoas morrem por ano em decorrência do uso de tabaco, segundo a Organização Mundial da Saúde, que também alerta para o aumento do consumo global desses produtos.
Tentando diminuir o apelo do cigarro ao público jovem, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou, no ano passado, uma resolução que proíbe o uso de aditivos que conferem sabor doce ao cigarro e que reforçam a ação da nicotina no organismo.
Porém, na semana passada, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu a proibição por meio de liminar, depois que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) questionou o veto. De acordo com a CNI, que representa os interesses das empresas de tabaco do país, a restrição do uso de aditivos em cigarros representa "perigo imediato do fechamento de fábricas e da demissão em massa de trabalhadores."
O STF decide nesta quinta-feira (26/09), em plenário, se o veto à comercialização de cigarros com aroma e sabor continuará válido.
Jovens consumidores
A proibição de venda desses produtos no país tem o objetivo de causar um "impacto direto na redução da iniciação de novos fumantes", uma vez que os aditivos são considerados substâncias que mascaram o gosto ruim da nicotina, disfarçam o cheiro desagradável, reduzem a porção visível da fumaça e diminuem a irritabilidade da fumaça para os não-fumantes, segundo as justificativas apresentadas pela Anvisa em março de 2012, quando foi publicada a norma.
A ONG Aliança de Controle do Tabagismo (ACT), que atua junto à Anvisa e outras instituições em favor dessa medida, é formada por organizações da sociedade civil, associações médicas e comunidades científicas, entre outros. Paula Johns, diretora da ONG, explicou à DW que a medida da Anvisa segue uma tendência mundial que vem sendo compartilhada por países no âmbito de organizações como a OMS.
"A indústria usa uma série de aditivos que tornam cigarros mais palatáveis principalmente para os adolescentes, que estão se iniciando no tabagismo", reforçou Paula Johns. Essa medida, junto a outras já adotadas no país – como a proibição da veiculação de propaganda de produtos derivados do tabaco, por exemplo – é vista pela ONG como obrigação do Estado.
Segundo ela, a opinião pública apoia a medida, conforme os dados da pesquisa nacional encomendada pela ACT e executada pelo Instituto Datafolha em 2011, quando a Anvisa conduzia consultas públicas sobre a questão. Os resultados mostraram que 75% da população pesquisada apoiavam uma restrição à adição de sabores e aromas ao cigarro. Uma pesquisa semelhante feita no estado de São Paulo em maio deste ano confirmou essa tendência ao mostrar que 76% da população paulista concorda com a proibição.
Fiscalização
Para Cassio Borges, gerente executivo da unidade jurídica da CNI, não é papel da Anvisa proibir a venda desses produtos com o objetivo de restringir a compra de cigarros por jovens, uma vez que essa prática já é crime no Brasil.
O Estatuto da Criança e do Adolescente proibiu, em 1990, a venda ou a entrega às crianças e aos adolescentes de produtos que causem dependência, como é o caso do cigarro.
"É uma questão de fiscalização de venda e não de alteração de conteúdo do produto que circula no país para torná-lo mais ou menos atrativo", disse Borges, em entrevista à DW.
Apesar de reconhecer que a fiscalização não funciona, Paula Johns argumenta que a indústria se ancora nessa deficiência para conquistar novos consumidores. "Esse é o tipo de programa que a própria indústria financia porque ela sabe que não funciona", disse.
"Ruptura drástica" no mercado
O Brasil é hoje o segundo maior produtor e o maior exportador de tabaco do mundo, segundo dados do Sinditabaco, entidade que representa os produtores da Região Sul, responsável por 96% da produção do país.
O risco do fechamento de fábricas e da perda dos empregos do setor estão no centro dos argumentos contrários à proibição. Na ação judicial do STF, a CNI argumenta que a medida atingiria 98% dos cigarros vendidos no país, que são do tipo chamado "blend" – mistura de aditivos e vários tipos de fumo.
A CNI também argumenta que a norma não se restringe apenas aos cigarros com sabor – que, segundo o órgão, correspondem aos 2% restantes do mercado brasileiro –, mas proíbe o uso de substâncias que servem para distinguir uma marca da outra, de forma genérica, restringindo o uso de qualquer substância que não seja tabaco ou água. Isso afetaria toda a cadeia produtiva do cigarro.
"No momento em que a Anvisa inviabiliza a utilização desses ingredientes, ela consequentemente está inviabilizando todo tipo de cigarro ou 98% do cigarro que hoje é produzido e comercializado no Brasil. Isso implicaria em uma alteração drástica do produto", disse Borges. O setor, argumenta o advogado, passaria também por uma "ruptura drástica".